O televisor sempre foi mais que um simples eletrodoméstico.
Durante décadas, ele tem sido um portal para os sonhos de
escape, um símbolo de status e um companheiro confiável no fim de noite.
No tempo em que só o pai trabalhava e dos jantares diante da TV,
essa confiável caixa catódica era não apenas a peça principal da maioria das
salas de estar, como também servia como uma espécie de cola emocional para a
família. Por meio dela, as experiências partilhadas definiriam uma geração.
Mas fale sobre essa experiência para alguém como Abigail McFee,
estudante da Universidade Tufts em Medford, Massachusetts, e ela poderá olhar
para você com perplexidade. Ela recentemente passou pelo quarto de uma amiga no
campus e se deparou com algo incongruente: um pequeno televisor sobre uma
cômoda. "Foi um pouco estranho", disse ela.
McFee, 19, nunca teve um televisor, assim como 90% de suas
amigas na faculdade, segundo calcula. Na era dos notebooks e dos serviços de
streaming, ela não sabe bem por que alguém teria uma TV. "Quando entro em
um quarto e vejo uma TV, meu primeiro pensamento é que a pessoa tem algo
desnecessário e desperdiçou espaço", disse ela.
Há uma década, uma casa -e, em muitos casos, até um quarto de
dormitório estudantil- sem um televisor pareceria virtualmente impensável, como
uma casa sem telefone. Em certo sentido, essa é a questão.
Assim como a linha fixa de telefone passou de um equipamento
obrigatório em um lar a um anacronismo praticamente da noite para o dia na
última década, o televisor começou a parecer quase um luxo, ou uma
irrelevância, aos olhos de muitos membros da geração conectada.
O papel central da televisão está sendo abalado pela primeira
vez. Hoje, as vendas de telas planas diminuem, a programação migra para a web e
hábitos como a troca de senhas e os tuítes ao vivo tornam os antigos costumes
diante da telinha irreconhecíveis. "A TV dominou minha infância",
disse a paisagista Francine Lieberman, 25. Mesmo assim, ela não possui uma
televisão desde a faculdade, como pelo menos a metade de suas amigas.
"Eu moro em Nova York, encontro eventos para ir todas as
noites e minha vida social e profissional floresceu por causa disso",
disse Lieberman. "Em algumas raras noites, eu me vejo abraçada ao tablet
para ver um programa, mas o único momento em que assisto a um programa em uma
TV de verdade é enquanto faço academia."
Experiência
social
A ideia de que o televisor poderá seguir o caminho da extinção,
como o Walkman da Sony, pode parecer exagerada. Os painéis de televisão de
cristal líquido tiveram vendas inesperadamente altas no primeiro semestre,
ligadas ao entusiasmo com a Copa do Mundo e ao crescimento econômico na América
do Norte, entre outros fatores, segundo a empresa de pesquisas IHS Technology.
Mesmo assim, o fim dos televisores parece próximo. Os últimos
anos foram cruéis para os equipamentos com uma única função. Não somente os
telefones, mas temporizadores de cozinha, despertadores, calendários de mesa,
câmeras de vídeo e até lanternas tornaram-se tão pouco essenciais quanto os
relógios de bolso, depois do iPhone e seus semelhantes.
Muitos membros da geração do milênio que dispensaram suas TVs
ainda gostam de televisão, na verdade. Eles podem até assistir a mais TV do que
nunca, graças à capacidade relativamente nova de assistir a seus programas
favoritos em telefones ou tablets e em qualquer lugar e a qualquer momento.
"Eu posso me sentar no sofá e ver a nova temporada de um seriado em um fim
de semana", diz Andrew Wojtek, produtor de eventos de 26 anos que vive em
Nova York. "Posso assistir enquanto viajo de trem ou avião. Posso assistir
em um intervalo no parque ou em um café enquanto espero para encontrar um
amigo."
Jonathan Ray conta com seu tablet ou telefone celular para ver a
maioria das comédias, como "Veep". Para programas de grande produção,
como "Game of Thrones", que demandam uma experiência mais
cinematográfica, ele montou uma "Franken-TV", com um monitor de
computador, um velho conjunto de alto-falantes de computador e uma caixa Apple
TV. Para evitar os custos de assinatura, ele compartilha com amigos senhas de
serviços de streaming como Netflix, Hulu Plus e HBO Go.
Embora isso transforme o hábito de assistir a programas em algo
individual, com pessoas sozinhas em seus quartos vendo o último episódio de
"American Horror Story" no iPad, a nova geração descobriu maneiras de
reviver a antiga experiência coletiva.
Com suas ex-colegas de faculdade espalhadas pelo país, Katy
Taylor, 25, diretora de programa da Associação Cristã de Moços em Providence,
Rhode Island, usa a televisão para manter contato, apesar de ela e muitas
amigas não possuírem uma TV. Elas simplesmente se conectam na hora marcada para
ver o último episódio de "Homeland" e passam uma hora tuitando o
programa ao vivo, trocando comentários, criticando-se mutuamente, dissecando a
trama e pesquisando no Google informações sobre os personagens.
"Vejo TV mais pela experiência social, para ter algo sobre
o que falar e brincar, do que pelo conteúdo", disse Taylor.
Alex Williams – jornalista doNew York Times
Fonte: site Observatório da Imprensa