O sociólogo Richard Sennett
na livraria LRB, em Londres
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FOLHA - Como o sr. vê as
mudanças no comportamento das pessoas tantos anos depois de publicar "O
Declínio do Homem Público"?
RICHARD SENNETT - Há 40 anos, havia muitas questões sobre a
transformação da presença física das pessoas em público, e agora temos os
mesmos problemas: perguntamo-nos sobre a presença na web. As mídias sociais
aumentam a discussão entre o público e o privado.
Não tínhamos nada parecido nos
anos 70 e fico impressionado como ainda nos atingem questões sobre a noção do
uso de espaço público para autoexposição e interação real. Como analista
social, é deprimente para mim que esses problemas persistam, agora no espaço
eletrônico.
O sr. acha que atingimos o
ápice da falta de privacidade?
O mais triste sobre o
ciberespaço é que há cada vez menos chance para a surpresa.
Quando você caminha na rua,
coisas que não espera podem acontecer. Quando está no Facebook, isso é feito
tão sob medida que fica difícil a ideia de aprender alguma coisa que não
soubesse, afinal, tudo é customizado, feito para seu perfil. Isso é um tipo de
redução de quão inteligente o público a minha volta pode ser.
Por que o sr. critica as
"cidades inteligentes"?
Elas removeram o elemento
indutivo de aprendizado sobre o entorno. Como um dos líderes do Habitat 3, uma
de nossas discussões é como evitar o mau uso da tecnologia que envolve a
liberdade das pessoas. Essa tecnologia tem feito as pessoas ficarem sem pensar sobre
isso.
Os governos autoritários, por
exemplo, amam essas cidades, porque sua capacidade de vigilância é incrível. Há
cidades americanas que usam os sensores de tráfego, de velocidade para
coordenação, para identificar o número de motoristas negros e brancos. Isso
acaba usado de forma diferente de seu propósito [original], vira um instrumento
de dominação.
Recentemente, o sr. criticou o
conceito de shoppings das cidades latino-americanas.
Fiquei impressionado com tantos
estacionamentos nos shoppings no Brasil ocupando espaços públicos. São espaços
cosmopolitas mal utilizados. Não há nada para fazer a não ser parar carros, as
crianças não podem entrar nem usá-lo. Como na China, são espaços que separam a
nova classe média dos pobres. Se você é pobre na China, não pode ir ao
shopping.
O que os shoppings também fazem
é destruir os negócios locais, isso é um grande problema aqui no Reino Unido,
pois os centros das pequenas cidades não podem competir com grandes redes.
Qual sua opinião sobre a cidade
de São Paulo?
É uma cidade muito avançada,
com muito capital humano. O grande desafio é como colocar essa capital para
trabalhar para todos. Eu adoro São Paulo, é uma cidade de torres, mas também
tem problemas de segurança. O trânsito nem me incomoda (risos), porque sou
muito paciente, posso ver meus e-mails, ouvir música clássica, um violino de
Wagner.
O sr. trabalhou na organização
dos Jogos Olímpicos de Londres. A próxima Olimpíada será no Rio. Qual seu
conselho para as autoridades?
Eu me envolvi no planejamento
dos locais dos jogos, o que fazer com eles depois da Olimpíada. Queríamos
evitar o que ocorreu com a Grécia em 2004 [após os Jogos, várias arenas foram
abandonadas]. Os lugares precisam ser utilizados imediatamente após o evento.
Se você espera cinco, seis anos, eles começam a se degradar, e é isso que
tentamos evitar em Londres.
Passamos por uma crise
econômica no Brasil, na Europa temos o exemplo da Grécia nos últimos cinco
anos. O sr. acredita que seu conceito de "cooperação" entre as
pessoas poderia ajudar esses países a superar tais problemas?
Não creio que possa ajudar a
superar, mas acredito que pode ajudá-los a enfrentar os problemas. Conheço
muito bem a questão da Grécia, por causa do Habitat 3. Lá, o governo tem falhado
em apoiar isso, e a União Europeia basicamente criou um cenário de punição para
o país.
Na Grécia, há cooperativas
informais de família dividindo recursos. Uma delas, em Atenas, foi criada para
garantir que as crianças tomem café da manhã antes de ir para a escola, porque
uma das consequências da austeridade é que muitas famílias não conseguem
garantir isso. O governo grego não faz nada.
Uma imagem global é sobre a
necessidade da cooperação no local de trabalho. Mas na política econômica, se a
estrutura formal de apoio falha, gera situações como a de Grécia, Itália,
Portugal.
A cooperativa é a única medida
de defesa. Um coisa terrível no liberalismo [econômico] é que as pessoas são
cada vez mais donas de indivíduos em detrimento da cooperação informal.
O sr. acredita que haja uma
solução para a Grécia?
Em 1953, 50% da dívida alemã
foi abolida pelo governo grego, mas hoje isso é [usado como] um tipo de
hegemonia, uma punição cruel. A Alemanha tem bloqueado qualquer tipo de alívio
[aos gregos]. O país nunca vai se recuperar se toda hora tiver que pedir mais
dinheiro para pagar dívida. Isso nunca deixará o país ser saudável.
Como vê o drama imigratório da
África para a Europa?
É uma política de combate, sem
muita esperança, porque estão mirando nos barcos, nos imigrantes que tentam
chegar a Itália e Grécia. Entristece-me ver que a União Europeia está em
colapso, não sabe o que fazer com um problema humanitário, como a imigração, e
econômico, como as políticas de austeridade que estão falhando.
O sr. defende que as pessoas
deveriam cada vez mais ter ações das empresas que trabalham. Isso não é uma
contradição do modelo capitalista?
É um tipo de social capitalismo
que contradiz o capitalismo liberal. No Reino Unido, na loja de departamento,
John Lewis, os empregados têm ações. Depende de como se manuseia, do quão
preocupada a empresa é com isso. Não se espera que o vendedor seja o dono dela,
mas que o direito de ter ações lhe dê voz.
No regime liberal, o círculo de
controle se reduz, cada vez menos pessoas tomam as decisões. Eu gostaria de ver
o monopólio de empresas como Microsoft, Google, Amazon quebrado. Mas quando
elas têm um competidor, compram-no ou fecham-no.
Quando começou a crise de 2008,
achei que haveria um movimento para destruir isso, mas essas empresas se
mostraram mais resistentes e sobreviveram.
Fonte: site UOL