Judicialização da Saúde: cresce 75% em São Paulo


Judicialização da Saúde: cresce 75% em São Paulo

Um levantamento recente do Anuário da Justiça São Paulo 2025, publicado pela Editora ConJur com base em dados da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), revelou um crescimento expressivo de 75% nas ações judiciais relacionadas à saúde no estado de São Paulo entre os anos de 2020 e 2024.

De acordo com os dados, o número de processos na área da saúde saltou de 77 mil em 2020 para 134 mil em 2024, abrangendo os dois graus de jurisdição. 

São Paulo concentra quase um quarto de todas as ações judiciais de saúde em tramitação no país, evidenciando uma tendência crescente de judicialização nesse setor essencial. 

A maioria das ações é movida contra operadoras de planos de saúde, com 70% dos processos originados por negativas de cobertura de tratamentos. 

A interpretação restritiva dos contratos por parte das empresas tem sido apontada como o principal fator gerador de litígios, mesmo em casos de procedimentos obrigatórios já previstos pelas normas regulatórias.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, os processos envolvendo recusa de tratamentos médico-hospitalares por planos de saúde saltaram da sétima para a quarta posição entre os temas mais julgados. 

O aumento desses casos foi de 34%, superando áreas tradicionalmente litigiosas, como disputas contratuais e relações de consumo com bancos. Cerca de 30% dos processos têm como alvo a rede pública de saúde, com demandas por fornecimento de medicamentos, cirurgias e outros tratamentos não disponibilizados diretamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Em nível nacional, a judicialização da saúde cresceu 93% entre 2020 e 2024, com um total de 671 mil ações registradas apenas no último ano.

A advogada Fernanda Zucare, especialista em Direito do Consumidor, aponta múltiplos fatores que têm pressionado o sistema de saúde: elevação de custos, envelhecimento populacional, maior demanda por terapias seguras e eficazes, escassez de recursos e fraudes. 

Para ela, o crescimento das ações judiciais reflete também a insuficiência de políticas públicas eficazes.

Outro fator relevante foi a sanção da Lei 14.454/2022, que modificou a interpretação do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). 

Com a mudança, o rol passou a ser considerado exemplificativo, e não mais taxativo, o que ampliou a possibilidade de requerer tratamentos fora da lista, desde que haja comprovação de eficácia. 

Essa alteração legislativa teve impacto direto nas estatísticas. No ano seguinte à sanção da lei, o número de ações judiciais na área da saúde em São Paulo aumentou 25%. 

A medida, embora elogiada por pacientes e entidades civis, trouxe insegurança jurídica para operadoras e desafios adicionais para o Poder Judiciário.

Entre os pedidos mais comuns estão tratamentos de home care, uso de medicamentos com canabidiol, terapias off label, atendimento para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e preservação da fertilidade em pacientes com câncer. 

Menos de 10% das ações dizem respeito a reajustes nas mensalidades dos planos de saúde. Silvano Furtado, jurista e pesquisador em Direitos Humanos e Neurodiversidade da Universidade de Stanford, critica a falta de diretrizes claras sobre os tratamentos destinados a pessoas autistas. 

Segundo ele, a flexibilização do rol da ANS, sem parâmetros técnicos adequados, contribuiu para a insegurança jurídica e sobrecarga do sistema judiciário.

A judicialização da saúde é, para muitos especialistas, sintoma de um sistema ineficiente. 

O crescimento acelerado das ações desafia tanto o Judiciário quanto os entes públicos e privados responsáveis pelo atendimento à população. 

A ausência de consenso técnico e jurídico sobre muitos tratamentos apenas agrava a situação. Para os gestores públicos, o aumento das demandas judiciais pressiona orçamentos já limitados e dificulta o planejamento. 

Há casos em que decisões judiciais obrigam a aquisição de medicamentos de alto custo que não possuem registro na Anvisa ou comprovação de eficácia segundo os protocolos clínicos oficiais.

Por sua vez, as operadoras de saúde argumentam que as decisões judiciais nem sempre consideram critérios técnicos ou a sustentabilidade do setor. 

A obrigatoriedade de coberturas não previstas nos contratos representa, segundo o setor, um risco à continuidade dos serviços e à previsibilidade dos custos. 

A situação exige, de acordo com advogados e pesquisadores, reformas urgentes e estruturais. 

Há consenso de que a legislação, os mecanismos regulatórios e as práticas administrativas precisam ser modernizados para acompanhar as transformações tecnológicas e sociais que impactam o setor da saúde.

Enquanto isso não ocorre, o consumidor permanece como o elo mais frágil da cadeia. Diante de negativas administrativas e falhas de cobertura, o Judiciário segue sendo a principal


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