Ser escovado não só acalma como
é uma delícia; e vice-versa
E sinaliza plena confiança recíproca de escovador e escovado.
"Você se importa de me
escovar?", meu novo namorado me perguntou. "O seu cabelo?" –ele
tem cabelos grisalhos compridos, lindos, então minha pergunta me pareceu um
tanto óbvia.
Não: ele falava da sua pele mesmo, tal como escovamos cachorros. E
ele pôs uma escova grande de cerdas macias na minha mão.
Achei curioso, mas a
Neurocientista de Plantão está sempre ao alcance, e meu cérebro imediatamente
começou a virar o assunto na minha cabeça. Vejamos.
Cães, gatos e macacos amam ser
catados e escovados por alguém de confiança.
Outro dia mesmo tive a honra de
assistir à palestra de uma neurocientista, Katalin Gothard, da Universidade do Arizona,
sobre sua descoberta de que a amígdala do cérebro dos macacos –aquela parte do
cérebro que leva fama de ser responsável pela sensação de medo, quando o que
ela faz na verdade é disparar todo tipo de emoção no corpo– não só é sensível
ao toque como responde de modo radicalmente diferente se é o "penteador de
confiança" que lhes toca a pele.
Na verdade, nem pentear precisa.
Tamanho é o poder da companhia sobre as sensações do corpo que basta o
penteador de confiança estar na sala para a amígdala dos macacos já responder
diferente.
A Neurocientista de Plantão
também lembrou, ali mesmo, de escova na mão, que os tipos de receptores e
nervos prestes a serem ativados seriam completamente diferentes daqueles que
acusam algo que apenas encosta na pele, num ponto pequeno, e logo vai embora
–como um mosquito, um esbarrão ou um objeto apanhado pelos dedos.
Passeando
pela pele, a escova recrutaria fibras C-táteis que só respondem a toque sobre
uma área grande de pele com uma certa pressão e movimento lento. Ou seja:
fibras detectoras não de toque, mas de carinho.
As tais fibras C-táteis foram um
mistério por um bom tempo, até que um número suficiente de neurocientistas
prestou atenção em uma parte do córtex cerebral chamada de ínsula (uma
verdadeira ilha de córtex afundada sob a superfície, donde o nome) para a maré
virar e descobrirem que essas fibras C-táteis não são "táteis", de
fato, mas o que eu chamo de "indicadores de mãe".
Bom, essa é a primeira coisa que
elas fazem em nossas vidas: acusam a presença da mãe.
Daí em diante, a ativação
dessas indica a presença de alguém digno da nossa confiança, cuja proximidade
não só permitimos como desejamos.
Ser escovado, como cães e
macacos ensinam a quem prestar atenção, não só acalma como é uma delícia (ou
talvez seja uma delícia porque acalma), e sinaliza plena confiança tanto no
escovador quanto no escovado.
Não é à toa que o resultado é a formação de laços
amorosos, até mesmo entre espécies diferentes.
Ele achava que era esquisito e
que ser escovado era uma perversão que namoradas anteriores achavam bizarro.
Mas a namorada dele agora é a Neurocientista de Plantão.
Não, meu amor, você é apenas
autista como eu, a nossa pele é anormalmente sensível, então você descobriu
sozinho o que os outros animais já sabem, mas a maioria dos humanos ignora: que
ser escovado é uma delícia.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).