O que move a continuar vivendo,
quando somos meio deprimidos?
Imagina como seria pior ser um unicórnio da alegria suprema?
Alberto me escreve para saber o que me move a "continuar
vivendo".
Talvez um editor ou revisor de texto transformasse a pergunta de
Alberto em algo como "o que te move na vida?" ou "o que te faz
apostar no futuro?".
Mas, é por acreditar que na formulação aparentemente estranha de
uma pergunta que está boa parte da graça em continuar respondendo, que eu
decidi manter a pergunta de Alberto exatamente como ela chegou em minha caixa
de e-mail.
Munida de poucas e
preguiçosas leituras de psicanálise e de alguma
experiência como manipuladora da língua portuguesa, crio um monte de teorias
conspiratórias a seu respeito, Alberto.
Primeiro de tudo, acho que você
não é do time dos unicórnios da alegria suprema. Você não está perguntando o
que me move na vida. Você está perguntando o que me impossibilita, diariamente,
de pular da janela.
Eu continuo vivendo porque não
misturo ovo de Páscoa com Coca-Cola no café da
manhã e não troco minha cama quentinha com chá de camomila por fentanil sintético. Essa é uma resposta
possível. Mas não é isso que você quer saber.
Eu tenho objetivos claros que me
tiram da cama diariamente: levar alegria para o coraçãozinho das pessoas,
acabar com o plástico nos oceanos e ficar bem velhinha
ao lado do meu companheiro.
Mentira. Na verdade, eu quero
mais dinheiro, mais poder e sou viciada em flertar. Mas acho que ainda não é
isso o que você quer saber.
Seria você Alberto, ainda que
meio fora de moda, um tantinho existencialista?
Nas entrelinhas de um vivendo
que não basta ser gerúndio ainda tem que "continuar vivendo", estaria
você me perguntando o que fazer para não pirar com a única certeza da vida?
Pois é justamente indo até o fim que uma hora se chega nele? Talvez.
Outra maluquice interessante,
que eu já não sei mais se está na cabeça de Alberto ou na minha, é que, tomando
todo o cuidado de não incendiar a casa ou beber cicuta por engano, bastaria seguir
o fluxo.
Quase como acontecia nos tempos
de faculdade, fazendo baldeação na Sé na hora do rush. Muitas vezes eu
defuntava meu corpo na multidão e quando dava por mim já estava na sala de
casa.
Continuar vivendo, para quem não pensa muito, é isso.
Mas a gente pensa muito, né
Alberto? Ah querido, é horrível, mas imagina como seria pior ser um unicórnio
da alegria suprema? Um "play" feliz imbecil replicante de platitudes?
O que Alberto quer saber é como
faz para continuar vivendo, quando somos meio deprimidos. É isso que Alberto
quer saber.
Olha, Alberto, tem muita coisa
boa na minha vida: minha filha, minha mãe (semana sim, semana não), o André em
dias ímpares (também o amo em dias pares, mas com mais dificuldade), uns sete
amigos que não desistem de mim mesmo eu sendo um demônio (eles também não
prestam muito), escrever, ler, assistir a bons filmes, ver boas séries e
estudar psicanálise.
Tá bom, Alberto. Tá bom. Eu vou
responder. Eu tomo 75mg de venlafaxina. Já ouviu a palavra da venlafaxina hoje,
irmão?
TATI BERNARDI -
transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha