Gol de placa dos reguladores de previdência complementar


Gol de placa dos reguladores de previdência complementar

Após uma luta de quase 20 anos, as aprovações da Resolução CNPC n° 60, de 7/2/2024, e das Resoluções CNSP nº 463 e 464, de 19/2/2024, finalmente promoveram um importante avanço em relação aos planos coletivos dos fundos de pensão e dos planos de acumulação oferecidos pelas seguradoras. 

Trata-se de um movimento evolutivo digno de reconhecimento, tendo em vista que as inovações impactarão positivamente na criação e colocação de novos planos oferecidos pelas respectivas indústrias. 

As novas medidas adotadas pelos dois reguladores chegaram num momento muito oportuno. 

O Brasil está às portas do fechamento do bônus demográfico e metade dos cerca de 203 milhões de habitantes (Censo 2022) já tem idade superior a 35 anos. 

A população brasileira está envelhecendo e, a exemplo do que ocorreu com os países desenvolvidos, o benefício do avanço da longevidade traz uma série de novos desafios para o Estado e para a população.

A rigor, considerando o baixo nível de educação financeira e apesar de todo cidadão ter um familiar aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social, pouquíssimos brasileiros têm o devido discernimento acerca de como se preparar para o inevitável. 

E, nesse caso, a pergunta que se coloca é: como envelhecer com qualidade de vida e com dignidade num país que não enriqueceu?

Nesse sentido, em relação aos sistemas de previdências privada, os reguladores abriram mais uma janela para facilitação do acesso dos cidadãos aos respectivos sistemas de previdência aberta e dos fundos de pensão.

Além disso, vale destacar um componente poucas vezes observado na atuação do Estado desde a edição dos primeiros marcos regulatórios da previdência, editados em 1966 e 1977: a presença da coordenação regulatória, que, no caso concreto, diz respeito à inscrição automática que passou a vigorar para os planos coletivos dos dois segmentos. 

Antes da edição das novas normas, ao oferecer um plano coletivo, as empresas dependiam de prévia manifestação de vontade de seus colaboradores para que fossem considerados participantes do plano. 

Essa pauta foi superada, respeitando-se inclusive o direito de desistência do participante no caso dos fundos de pensão. Em relação aos segmentos das seguradoras, fiscalizadas pela Susep, o detalhamento provavelmente será tratado por meio de Circulares a serem editadas.

O cuidado que se deve ter com a coordenação regulatória continua sendo ponto nevrálgico quando tratamos de discussões mais estratégicas acerca do fomento e da ampliação das coberturas securitária e previdenciária no Brasil. 

Entretanto, é importante reconhecer que a edição das resoluções foi uma importante sinalização do Estado em relação ao aperfeiçoamento regulatório no Brasil e mostrou o alinhamento necessário que se deve ter ao tratar de temas umbilicalmente relacionados, como as previdências privadas fechada e aberta.

Outro ponto relevante, diante das publicações das Resoluções CNSP 463 e 464, diz respeito à avenida definitivamente aberta para o desenvolvimento de um mercado brasileiro de anuidades. 

A comercialização de planos considerando o ciclo de rendas poderá movimentar vários interlocutores, dentre eles, o mercado secundário dos resseguradores locais, bem como o mercado supervisionado pela CVM, haja vista a possibilidade de colocação de papeis alinhados às estratégias das seguradoras, inclusive com a participação do Tesouro Nacional em várias frentes caso resolva lançar o Renda+ na versão PJ.

Dentre outras novidades, em relação à renda a ser contratada no âmbito das seguradoras, as inovações regulatórias trouxeram muitas possibilidades, tais como: a partir da desvinculação entre os momentos de contratação do produto de acumulação e da renda, o recebimento de renda(s) simultaneamente ao período de acumulação (contribuição); possibilidade de oferta de rendas, temporária ou atuarial, com base em percentual sobre a estrutura a termo da taxa de juros (ETTJ); possibilidade de contratação de rendas simultâneas, além de ter abarcado importantes definições acerca do ciclo de renda; da oferta de renda, bem como a criação do certificado de rendas para rendas contratadas. 

Ainda, trouxe previsão da necessidade de oferta de contratação de renda vitalícia.

Enfim, podemos dizer que o CNSP agiu com sabedoria ao deixar para o supervisor das seguradoras o detalhamento das regras com vistas à criação e estruturação de novos produtos em sinergia com o mercado.

Evidentemente, ao falarmos de fomento da previdência privada, existem outros fatores críticos como renda, conjuntura econômica e educação financeira. 

Não obstante, o passo dado pelos reguladores dos setores com a edição das Resoluções acima mencionadas constitui uma importante pavimentação para a consolidação de uma agenda estratégica para o país diante da transição demográfica e do consequente envelhecimento da população. 

Esse, certamente, foi um gol de placa.

CARLOS DE PAULA – ex-diretor da SUSEP e da PREVIC

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