Os robôs nos economizam tempo – mas
eles nos deixam mais felizes?
Em 2019, mais de 14 milhões de norte-americanos
possuíam um aspirador de pó robô.
Cortadores de grama robôs cuidam do nosso
jardim, malas robôs nos seguem pelo aeroporto e panelas inteligentes preparam
ingredientes e se encarregam de receitas inteiras.
Alguns produtos autônomos
até brincam e limpam a sujeira dos nossos animais de estimação. Essas
ferramentas têm como objetivo melhorar a vida das pessoas, aliviando a carga
das tarefas domésticas e, consequentemente, deixando-as mais felizes; mas nem
todas conseguem produzir esses bons resultados.
Como os líderes empresariais
podem garantir que suas empresas criem produtos que façam as pessoas realmente
se sentirem bem ao utilizá-los?
Como especialistas em psicologia do consumidor,
acumulamos muitas evidências de que gastar dinheiro para terceirizar tarefas
indesejadas – como pagar uma faxineira – pode melhorar a felicidade, diminuir o
estresse e melhorar nossos relacionamentos amorosos (mesmo durante a pandemia).
Mas, à medida que a tecnologia se desenvolve, começamos a terceirizar tarefas
não só para humanos, mas também para máquinas.
Essa tendência tem se acelerado agora que muitos
serviços presenciais não são possíveis por conta das exigências de
distanciamento social.
Dessa forma, mudamos nosso foco de estudo, do impacto
dos serviços que economizam tempo para a melhor compreensão de como os produtos
autônomos melhoram (ou não) a felicidade do consumidor.
Em uma pesquisa recente
realizada com mais de cinco mil entrevistados em todo o mundo, nossa equipe
observou que os consumidores que haviam adquirido produtos autônomos relataram,
de fato, maior felicidade e menor estresse do que aqueles que não os possuíam –
mas com duas advertências importantes:
Os consumidores se sentem culpados se seus produtos
têm uma aparência muito humana.
Em primeiro lugar, os consumidores que estudamos
relataram níveis significativamente mais baixos de felicidade quando seus
produtos pareciam seres humanos.
Quando os produtos autônomos tinham qualidades
“pessoais”, como voz ou rosto humano, ou quando os consumidores os batizavam
com nomes de pessoas reais, eles se sentiam menos à vontade por esses produtos
fazerem o trabalho pesado.
Alguns até descreveram se sentirem “culpados” por
usá-los.
Essas descobertas são compatíveis com nossa outra
pesquisa recente, a qual mostrou que os consumidores se sentem mais culpados e
estão menos dispostos a terceirizar tarefas para um prestador de serviços, caso
a pessoa que esteja fazendo o trabalho for “identificável”.
Quando sabemos quem
vai limpar nossa casa, humanizamos o serviço, o que nos leva a ter empatia com
essa pessoa e a termos um sentimento de culpa ao pedir-lhe que faça algo
desagradável, que nós mesmos poderíamos fazer.
Apesar dessas descobertas, muitos produtos
autônomos são desenvolvidos intencionalmente para replicar características e
comportamentos humanos.
Empresas como a Amazon e a Samsung desenvolveram
produtos com interações por voz otimizadas para soar o mais humano possível. A
Dyson estimula seus clientes a dar nome ao aspirador de pó.
Mesmo que essa
abordagem humanizada traga benefícios potenciais, como reduzir a solidão e
ajudar os consumidores a terem um maior senso de controle sobre esses
dispositivos, nossos dados sugerem que essas características humanas também
podem fazer os consumidores se sentirem culpados, tornando a experiência menos
agradável e reduzindo a felicidade.
Os consumidores temem que utilizar produtos
autônomos os faça parecer preguiçosos.
Nossa pesquisa também constatou que a felicidade é
reduzida se o uso de produtos autônomos for percebido como sinal de preguiça.
Para muitas culturas, a preguiça é vista como sinal de um status.
Essa mentalidade impede que as pessoas solicitem mais tempo para prazos
ajustáveis no trabalho, tirem as férias remuneradas integralmente e gastem
dinheiro para ganhar tempo.
Talvez como resultado desse viés cultural,
observamos que as pessoas julgavam os proprietários de produtos autônomos como
tendo um status social inferior, mais preguiçosos e menos
bem-sucedidos (e temiam serem julgados da mesma forma se usassem esses
produtos).
Essas descobertas podem ajudar a explicar por que a
adoção de produtos autônomos ainda é significativamente menor do que as
previsões iniciais.
Há apenas quatro anos, os think tanks avaliaram
que uma residência familiar típica teria cerca de 500 objetos inteligentes em
2020; no entanto, isso ainda não se concretizou.
Por exemplo, em março de 2020,
apenas 10% dos norte-americanos possuíam um aspirador de pó autônomo (apesar da
redução dos preços que tornaram esses produtos razoavelmente acessíveis).
O que os designers de produtos autônomos devem
fazer?
De modo geral, nossa pesquisa aponta para algumas
estratégias concretas para empresas que buscam maximizar a satisfação do
consumidor.
1. Lembre aos consumidores quanto tempo eles
economizam, o que pode aumentar a felicidade. Com isso em mente, as campanhas
de marketing devem se concentrar em lembrar aos consumidores
que os produtos autônomos podem economizar tempo, que poderá ser gasto em
atividades importantes como trabalhar, passear ao ar livre ou socializar
(virtualmente) com amigos.
2. As empresas devem limitar as características
humanas e também considerar dar a seus produtos autônomos nomes claramente não
humanos – quanto mais parecido com um ser humano o produto for, mais os
consumidores se sentirão culpados ao utilizá-lo. Essa relação é exacerbada se o
consumidor for solicitado a dar um nome ao produto.
3. As empresas devem pensar em incentivar os
consumidores a aproveitar os produtos – e seus benefícios em termos de economia
de tempo – com discrição (em vez de proclamar aos colegas de trabalho e
familiares que um robô brinca com seu bichinho de estimação e limpa sua
caixinha de areia).
A contentamento secreto, ou “consumo discreto”, é a melhor
aposta para maximizar a satisfação e minimizar o constrangimento por utilizar
produtos autônomos.
Se os consumidores estão ansiosos para falar a respeito de
seus produtos autônomos, as empresas podem incentivá-los a destacar o fato de
que o tempo que esses produtos economizam é revertido em atividades produtivas
e significativas, como mais tempo para o trabalho ou para a família, a fim de
atenuar os temores de se passar por preguiçoso.
A pandemia apenas tornou o gerenciamento do tempo
algo ainda mais complexo.
Com as crianças impedidas de ir à escola, muitas
empresas prestadoras de serviços fechadas e lojas com filas imensas e escassez
de produtos, todos nós precisamos de mais apoio do que nunca para as tarefas
cotidianas, como recebimento de produtos, cuidados com animais de estimação e
limpeza da casa.
Os produtos autônomos podem preencher essa lacuna, mas as
empresas devem saber a forma certa de desenvolver e comercializar essas
ferramentas de modo que as pessoas se sintam bem ao utilizá-las.
Ashley Whillans - professora assistente da unidade de negociações, organizações e
mercados da Harvard Business School. Sua pesquisa se concentra nos temas do
tempo, dinheiro e felicidade. Seu primeiro livro, “Time smart: how to
reclaim your time & live a happier life” será publicado pela
Harvard Business Publishing em outubro de 2020.
Emanuel de Bellis - professor assistente de marketing na University of
Lausanne, na Suíça. Sua pesquisa é voltada à percepção do consumidor e ao uso
de produtos autônomos. De forma mais ampla, seu interesse recai sobre a
psicologia e a história da tecnologia, e como as novas tecnologias moldarão a
sociedade do futuro.
Fabian Nindl -
professor assistente de marketing na WU Vienna. Sua pesquisa
se concentra no comportamento do consumidor pautado pela tecnologia, no marketing voltado
ao propósito e no varejo esportivo.
Tobias Schlager - professor assistente de marketing na HEC Lausanne,
na University of Lausanne, na Suíça. Possui Ph.D. em negócios com ênfase
em marketing pela University of St. Gallen. Sua pesquisa se
concentra na tomada de decisão do consumidor em ambientes mediados pela
tecnologia, focando nas consequências de fenômenos recentes como a gamificação,
as interações sociais e a realidade virtual. Sua pesquisa foi publicada no
Journal of the Marketing Science, no Journal of Consumer
Psychology, no Journal of Management Information Systems e no Journal of Marke.