Quem
viaja com frequência, como eu, ignora solenemente a milésima apresentação das
mesmas recomendações de sempre feitas pelos comissários de bordo, ou o maldito
vídeo institucional com bonequinhos sorridentes.
Já
sabemos que o colete salva-vidas está sob o assento, que as portas de
emergência viram escorregas, que devemos colocar nossa máscara de oxigênio
antes de auxiliar a criança ao lado.
E
quem ainda não sabe disso dificilmente vai aprender ao se expor ao vídeo pela
primeira vez "" porque, em geral, são apresentações soporíferas que
não prendem a atenção.
Mas,
quando já estava me preparando para ignorar o vídeo de segurança da United
Airlines, fui surpreendida quando vi uma aeromoça, chacoalhando no banco de trás
de um táxi em Paris, mostrar como afivelar o cinto de segurança; outra, no
Japão, começava a fazer um aviãozinho de papel que virava um origami de uma
aeronave, do qual saíam então os escorregas de emergência; outra demonstrava à
moça de biquíni, sentada em insólitas poltronas em uma praia do Caribe, que a
bagagem de mão –cocos verdes enormes– devia ser acomodada embaixo do assento à
sua frente.
E
assim segue o vídeo, cheio de incongruências e comentários divertidos,
terminando com a imagem do aeromoço australiano cercado de cangurus e os
dizeres "nenhum comissário de bordo foi machucado durante este
vídeo".
Não
sei se tiveram consultoria de neurocientistas, mas a United e a agência de
publicidade McGarryBowen acertaram em cheio. Algo memorável precisa primeiro
chamar a atenção e, em seguida, ter valor emocional agregado à informação. O ar
inovador e inusitado do vídeo atende ao primeiro requisito; e as associações
bem-humoradas formam imagens que ficam na mente, como o celular que toca na
beira do lago dos flamingos e faz pássaros voarem enquanto a aeromoça nos
lembra de colocar os aparelhos eletrônicos em modo avião.
A
atenção é a porta de entrada para a memória; e, de tantas informações sempre
disponíveis, retemos apenas aquelas que o cérebro julga mais importante –as que
nos movem emocionalmente, de um jeito ou de outro.
Lewis Lazare, crítico do "Chicago Business Journal",
detestou: reclama que a companhia aérea brincou com uma questão séria, a
segurança a bordo. Mas eu adorei. O vídeo me fez rir, e com isso eu lembro mais
dele do que de qualquer outro vídeo a bordo. Ponto para a United, que conseguiu
nossa atenção.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora
da UFRJ e do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante).
Fonte:
blog www.suzanaherculanohouzel.com