A Samsung admitiu publicamente que seus aparelhos de televisão
são capazes de gravar conversas dos espectadores e transmitir esse conteúdo
para um banco de dados controlado pela empresa. Até ontem, você assistia a TV.
Hoje, é a TV que te vê e te ouve. Onde vai estar seu jornal amanhã?
A Samsung, indústria coreana de tecnologia digital, admitiu
publicamente, há duas semanas, que seus aparelhos de televisão são capazes de
gravar conversas dos espectadores e transmitir esse conteúdo para um banco de
dados controlado pela empresa. Basta que o cidadão habilite o comando de voz do
televisor inteligente – chamado no mercado de smart
TV – para fazer o controle
remoto de suas funções, que o sistema habilita o aparelho a gravar tudo que é
captado pelo microfone, transmitindo os dados para a central da Samsung.
Também a Apple já anunciou a
colocação, no mercado, de um monitor de tela plana que agrega todas as
funcionalidades da televisão inteligente e com um processador poderoso o
suficiente para cumprir os atributos de um computador com grandes recursos.
Como nos tablets e nos melhores laptops, o novo equipamento tem uma câmera de
alta definição capaz de registrar imagens e sons no ambiente. Da mesma forma, a
escolha do usuário poderá colocá-lo em comunicação direta e ao vivo com uma
central de serviços onde suas expressões visuais e sonoras serão armazenadas.
O propósito desses avanços é
transformar o ponto de entretenimento típico das famílias contemporâneas em um
sistema de distribuição de tarefas e informações para outros aparelhos da casa,
inclusive os telefones móveis registrados na rede. Quem estiver encarregado da
cozinha poderá ativar o fogão para prover a família com o fast food da ocasião ou encomendar e pagar uma
pizza, sem se levantar do sofá. Câmeras com reconhecimento de feições e
programas que validam as vozes completam o pacote, e o nível de privacidade vai
depender do cuidado ou da habilidade de cada um ao usar esses recursos.
Boa parte dessas novidades, e
outras ainda mais curiosas, já vem sendo anunciada há mais de uma década. O
jornalista brasileiro Ethevaldo Siqueira, juntou algumas delas num livro
publicado em 2004, com contribuições de especialistas, cujo título é 2015 – Como Viveremos.
É interessante observar o
quanto a tecnologia evoluiu nesse período. Aquele futuro de dez anos atrás
chegou rapidamente, e o ser humano mal teve tempo de aprender a usar as teclas
virtuais de seus smartphones.
A TV que te vê vai mudar o
sentido da palavra telespectador.
Onde vai estar o jornal?
Essas novidades colocam em
pauta algumas questões interessantes: uma delas é o controle sobre a vida
social assumido por empresas de tecnologia, que liberam a aplicação prática do
conhecimento acumulado conforme seus interesses de mercado, que não dependem
necessariamente do interesse dos cidadãos. Essa mudança estabelece um novo
processo na apropriação da tecnologia, pelo qual os conglomerados chamados de
mídia tornam-se dependentes dos engenheiros que projetam tais parafernálias.
Há uma diferença básica no
novo cenário: antes, um veículo impresso podia ser apenas isso – um meio de
comunicação visual numa plataforma de papel. Hoje, a maioria dos veículos da
mídia tradicional precisa migrar para sistemas de publicação multiplataforma,
ou no mínimo produzir uma versão digital para a internet e para os aparelhos
móveis de comunicação.
O progressivo avanço do
televisor inteligente sobre os aparelhos passivos que recebem e exibem uma
programação fixa em tempo presente obriga a novas estratégias e a modelos de
negócio inovadores. A mídia tradicional, estruturada sobre o conceito de
mediação no qual o público é sujeito passivo, quase objeto do processo
comunicacional, teria fôlego para esse desafio?
Ainda mais importante: essas
empresas teriam interesse em adotar uma linha de tecnologias que reduz seu
papel como filtro de notícias e opiniões? Qual seria o perfil mais adequado de
um jornalista nesse contexto em que não apenas o usuário dos meios mas
principalmente o fabricante dos equipamentos assumem o controle dessas
interações?
Quem usa um aparelho celular
com sistemas de localização que agregam continuamente informações sobre o
trânsito, alertas sobre acidentes ou a presença de barreiras policiais no
caminho pode imaginar como seria simples um aplicativo como o Waze, por
exemplo, funcionar sobre uma base de tipo noticioso, com textos, som e imagem.
Jornalistas sempre serão
necessários para colher e selecionar esse material, mas quem assegura que eles
precisarão trabalhar numa grande redação, sob uma marca da mídia tradicional?
Até ontem, você assistia a
TV. Hoje, é a TV que te vê e te ouve.
Onde vai estar seu jornal amanhã?
Luciano Martins Costa – jornalista e escritor.