É uma
segunda-feira de manhã em meados de janeiro. Você lê a edição impressa do New
York Times enquanto toma o café. Folheia-a em busca de notícias,
quase tudo em vão. Dos seis artigos
com chamada de primeira página da edição de 13 de janeiro, só um pode ser
descrito como notícia importante: uma matéria de Paris sobre os negociadores
dando os últimos retoques num acordo paracongelar o programa nuclear do Irã. Os outros cinco são: uma reconstrução doescândalo político conhecido como Bridgegate; uma matéria sobre a devolução derelíquias ao Museu Nacional do Afeganistão; um artigo sobrepolítica nos estados de Minnesota e Wisconsin; uma matéria sobre os argumentos da Suprema Corte sobre o choque entre os direitos de liberdade de
expressão e do aborto; e um texto sobre uma loja de penhores de luxo.
Tenho
pensado nisso ultimamente, principalmente depois de ter ouvido o leitor David
N. Schwartz, de Nova York, que usou como exemplo o jornal de 26 de novembro, uma terça-feira. “Não há uma única matéria importante
na primeira página”, escreveu ele. “São todas análises e jornalismo
interpretativo – muito bons, por sinal, mas não propriamente matérias
importantes.” E acrescentou: “Compare com o Wall Street Journal, que na
realidade não é um jornal tão bom – mas que tem notícias importantes na
primeira página”.
Num
recente comentário online, outro leitor escreveu: “Parece não existir mais
notícias simples e concretas. Todos os textos se parecem mais com análises de
informação; mesmo aqueles que têm por objetivo relatar ostensivamente eventos”.
Notícias
de última hora
Ao
preparar esta coluna, folheei as primeiras páginas das últimas semanas. (Mesmo
nesta era digital, devo dizer que a primeira página impressa ainda é uma forte
indicação dos valores jornalísticos dos editores.) Ocorreram, com certeza, dias
semelhantes àqueles acima mencionados, onde as notícias importantes são
difíceis de encontrar. Outros ofereceram uma aparência mais tradicional.
Muitas
vezes, mesmo artigos publicados na parte de cima da primeira página que abordam
temas oportunos e significativos – como o súbito aumento deinscrições na Medicaid – o fazem de forma indireta, com aberturas
como: “Sharon Mills, uma enfermeira deficiente, dependia da gentileza das
outras pessoas para controlar seu diabetes.” Nesse caso, a técnica funcionou;
em outras ocasiões, fico pensando quando ou se um artigo consegue o que
pretende e penso em E.B. White tornando a contar a crença de seu professor
William Strunk: “Ele achava que o leitor enfrentava sérios problemas a maior
parte do tempo, como um homem se debatendo num pântano, e que era um dever de
qualquer pessoa que tentasse escrever em inglês esvaziar o pântano rapidamente
e trazer o homem para terra seca, ou pelo menos jogar-lhe uma corda”.
De
uma maneira geral, achei uma ênfase em jornalismo interpretativo e empresarial.
Também achei muitos exemplos de artigos interessantes e bem escritos com pouco
valor informativo.
Perguntei
ao chefe de redação, Dean Baquet – que frequentemente dirige a reunião da
tarde, quando são escolhidos os artigos com chamada de primeira página –, que
me explicasse. “Não há dúvida de que há menos notícias tradicionais na primeira
página do que costumava haver”, respondeu ele. Uma das principais razões,
segundo Baquet, é que os leitores têm acesso constante às notícias de última
hora. “Temos que nos perguntar o que será novidade, surpreendente e importante
para as pessoas – o que só nós podemos oferecer. Portanto, nos pressionamos a
pôr em perspectiva, ou dizer o que significa, ou divulgar a história dos
bastidores.”
O
foco da notícia
Para
Baquet, a primeira página ideal incluiria três ou quatro “matérias fortes e
importantes que só nós tenhamos, uma matéria investigativa e mais uns dois
textos bons de se ler” – por exemplo, uma matéria de esporte e uma de cultura,
ou um obituário particularmente irresistível.
Alguns
leitores prefeririam uma abordagem mais simples. Outros acreditam que todas
essas interpretações podem facilmente descambar em opiniões. Nas últimas
semanas, os leitores queixaram-se do que consideraram opiniões em matérias
jornalísticas sobre o Irã, a Ucrânia, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio,
e o governador Chris Christie, de Nova Jersey. “Eu leio tanto a notícia quanto
a opinião, mas quando leio uma matéria jornalística, prefiro apenas a notícia”,
disse David B. Harris, de Fanwood, Nova Jersey.
No
entanto, no que parece uma contradição, outros leitores disseram que querem que
as matérias jornalísticas estabeleçam nitidamente a verdade – e não que finjam
um “falso equilíbrio”. Pode ser linha fina, mas há uma diferença entre afirmar
uma verdade bem estabelecida – por exemplo, que a evolução aconteceu – e
expressar uma opinião, independente de ser bem-informada. Essa é uma linha que
não deveria ser cruzada numa matéria jornalística.
Em
minha opinião, as matérias mais importantes expostas pelo Times às vezes
vão longe demais na direção de interpretação, análise e redação rebuscada. O
leitor razoável, que tem como apoio apenas o seu café, pode muito bem querer
que o foco mais importante da notícia apareça no segundo parágrafo, e não no
sétimo.
“Talvez
fosse melhor se fôssemos mais simples”
O
leitor (ao contrário do jornalista, que está ligado na mudança dos acontecimentos
ao longo do dia) pode preferir mais a notícia original e menos a abordagem de
um “segundo dia”. Em alguns casos, um artigo de uma notícia de última hora que
já apareceu no site há muito tempo, muitas vezes atualizado, nem chega a entrar
nas páginas do Times, deixado de lado pelo artigo mais interpretativo
que irá sair na edição impressa do dia seguinte, mas com a informação pouco
nítida.
Dean
Baquet diz que o foco principal do Times é o de dar aos leitores aquilo
que faz deles cidadãos informados. Mas ele não discorda que a interpretação
pode ir longe demais. “Às vezes, pensamos demais e talvez fosse melhor se
fossemos mais simples.
Margaret Sullivan – jornalista, ombudsman do jornal New
York Times
Fonte: site Observatório da Imprensa
Tradução de Jô Amado.