Telegram erra ao não seguir a
lei no Brasil
Empresa diz preservar "a liberdade de expressão no mundo", mas
tem sede nos Emirados Árabes.
O Telegram foi bloqueado no Brasil por ordem da Justiça Federal.
A empresa se recusou a
entregar informações relacionadas a grupos radicais atuando na plataforma.
O
perpetrador de um dos ataques às escolas atuava em um deles.
O fundador da empresa emitiu
então uma nota no seu canal oficial justificando o descumprimento. A nota causa
perplexidade.
Ela diz que "a missão do
Telegram é preservar a privacidade e a liberdade de expressão no mundo".
Só que a sede da empresa fica nos Emirados Árabes, país que ocupa hoje a 173ª
posição global no ranking de liberdade de expressão da Freedom House,
classificado como "não-livre".
Se a missão é essa, a empresa parece
estar no lugar errado.
Privacidade também não faz parte
do design do Telegram As mensagens trocadas através dele não são criptografadas
de ponta a ponta.
Podem ser lidas pela própria empresa, que mantém cópia de
tudo nos seus servidores. A exceção a essa regra é se os usuários utilizarem o
chamado chat "secreto", usado por poucos.
Quem busca privacidade no
Telegram está no aplicativo errado.
A nota do fundador da empresa
também chega a comparar o Brasil com o Irã e outros países em que a remoção de
conteúdos é feita pelo poder executivo.
No Brasil a ordem veio do judiciário. O
Telegram pode recorrer se discordar. Ordem judicial se cumpre, depois se
discute.
O Telegram sabe disso. Tanto é
que na Alemanha a empresa segue as ordens
judiciais que recebe.
Inclusive remove e ajuda nas investigações relacionadas a
64 canais extremistas naquele país, com teor parecido com os do caso
brasileiro.
Se na Alemanha é assim, por que no Brasil é diferente? Fica a
impressão de que a empresa está querendo medir forças com a justiça brasileira
para ver até onde vai a escalada.
O Telegram afirma também que sua
conduta é governada pelo respeito aos direitos humanos. Só que conteúdos que
incitam a violência ou promovem ataques a minorias são universalmente
condenados pelos mais de 40 anos de jurisprudência de direitos humanos.
Se a
afirmação é verdadeira, por que tantos grupos que atuam a olhos vistos dessa
A empresa diz em sua nota que a plataforma é de "mensagens
privadas". Há muito tempo o Telegram deixou de ser um aplicativo só de
mensagens privadas.
Ele é hoje um meio de comunicação massivo e aberto. Vários
grupos nele têm mais de 100 mil integrantes, audiência maior do que a de muitos
programas de televisão.
O Telegram vem ocupando um lugar perturbador de portal para o conteúdo
que antes ficava restrito à chamada "deep web".
Na plataforma, por
exemplo, é possível encontrar e comprar dados pessoais de qualquer pessoa no
Brasil. Sem contar denúncias de abrigar tráfico de pessoas e pornografia
infantil.
Quem quiser detalhes pode assistir ao documentário Cyber Hell
disponível no Netflix, focado em um desses casos no Telegram.
Pela lei brasileira qualquer empresa que preste serviços no país tem de
respeitar as leis locais. O Telegram tem mais de 50 milhões de usuários aqui. O
mínimo que precisa fazer para respeitar todos eles é seguir a lei e o
judiciário local.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro.