Quem caminhou pelo Boulevard
Olímpico, na antiga zona portuária do Rio, durante os Jogos deve ter
ficado impressionado. A transformação do espaço foi radical. Multidões em festa
lembravam um Carnaval (bem-comportado) fora de época. Uma das vedetes foi o VLT.
Passageiros se acotovelavam no trenzinho elétrico para fazer selfies.
O ar de "desenvolvimento" só era quebrado
por um detalhe. Na frente dos VLTs circula um motoqueiro que fica buzinando
para as pessoas saírem da frente.
Esse é um (bom) problema do transporte elétrico:
ele faz pouco barulho. Na cidade acostumada ao ruído dos motores a combustão,
veículos elétricos são um alento e um perigo. É fácil atravessar a rua sem
olhar, confiando em que a falta de ruído significa que não há nenhum veículo
por perto.
Para resolver isso, a legislação dos EUA, da Europa
e do Japão obriga que esses veículos incluam sons artificiais no deslocamento.
Como não há requisito sobre como deve ser esse som, isso abriu uma corrida par
reinventar o barulho dos carros.
A solução mais interessante até agora foi chamar
compositores de música eletrônica para sintetizar o ruído dos veículos
elétricos. Por exemplo, a artista Holly Herndon, considerada hoje um ícone da
música eletrônica global, ganha hoje dinheiro sintetizando sons para sonorizar
carros, possivelmente mais do que vendendo sua música.
Os sons sintetizados são infinitamente mais
interessantes do que o barulho dos carros a motor de explosão. Eles reinventam
a paisagem sonora da cidade. É como se os pedestres incautos fossem alertados
do deslocamento do veículo com uma obra ambulante do produtor Brian Eno.
Alguns sons lembram um disco voador, outros,
"ambient music". Muitos sons são generativos, isto é, não se repetem
nunca. Usam frequências que são facilmente ouvidas por pessoas de todas as
idades. Além disso, mudam de acordo com o movimento (aceleração ou freagem) e
criam harmonias com outros veículos que trafegam na mesma região.
Eis, então, minha sugestão para o Rio. Substituir o
motoqueiro que anda na frente dos VLTs por sons eletrônicos confeccionados por
artistas de música eletrônica da cidade. Isso mudaria a paisagem sonora urbana
do centro e da zona portuária. Seria um novo "patrimônio imaterial"
para a cidade e um novo "talking point" sobre cidade, atraindo
turistas e curiosos sobre o redesenho sonoro naquele trajeto.
Valeria até fazer chamadas anuais para que
diferentes artistas compusessem os sons do VLT. Cada trem, aliás, poderia ter
seu próprio som.
Os transeuntes poderiam votar pelo celular para
escolher seu ruído preferido, como se fosse um concurso de marchinhas
prafrentex. Com isso, o "soundscape" do centro da cidade seria sempre
renovado, abrindo caminho para um repensar contínuo desse desafio.
Nesse sentido, qualquer esforço de transformação
urbana bem-sucedido faz-se não só com obras mas com criatividade permanente.
Ronaldo Lemos -
advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio
de Janeiro (ITSrio.org), mestre em direito por Harvard. Pesquisador e
representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte:
coluna jornal FSP