A cantora islandesa Björk, que usa
softwares para apresentar músicas graficamente em seus shows
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Em 1974, o compositor norte-americano Stephen
Malinowski teve um momento de "eureca". Ele decidiu tomar LSD
enquanto ouvia as sonatas para violino de Johann Sebastian Bach. Sob o efeito
da droga, começou a enxergar visualmente cada nota da composição no seu campo
visual, à medida que ressoavam.
Neste momento ele teve a inspiração de desenvolver
o software que posteriormente ficaria conhecido como Music Animation Machine
(Máquina de Animação Musical). O aplicativo é comparado a um "GPS"
que ajuda a navegar a estrutura das composições eruditas. Ele cria belas
visualizações em tempo real que transformam a composição em um diagrama fácil
de compreender, revelando a estrutura do que está sendo ouvido. Além de
divertido e didático, o efeito se tornou popular.
O canal no Youtube de Malinowski tem hoje mais de
200 milhões de exibições. Nada mal para uma coleção bem tradicional de
composições clássicas "animadas". Além disso, a cantora Bjork vem
usando o software em suas apresentações ao vivo, o que ajudou na sua
popularização.
Malinowski teve a ideia em 1974, mas precisou
aguardar até 2012 para que surgisse a tecnologia necessária para permitir que
sua invenção pudesse ser utilizada em apresentações ao vivo.
Desde então, há toda uma geração de novos
compositores e intérpretes, como Etienne Abelin, que vêm experimentando ao vivo
com essa mistura de sons e imagens derivadas da música. O resultado é
interessante e certamente torna a música erudita mais acessível para uma
"geração Instagram", que cresce em um ambiente que valoriza mais as
imagens que os sons.
Se Malinowski abriu caminhos visuais para a música
erudita, um grupo de programadores e DJs está fazendo algo semelhante para a
música eletrônica. Uma das cenas globais que está em franca expansão é a
chamada "Algorave" (palavra que mistura algoritmos com rave).
Essa cena mistura código de programação com
performances ao vivo em festas de música eletrônica.
Em síntese, o músico sobe ao palco com a tela do
seu computador projetada em uma tela. Ele vai dando, ao vivo, comandos de texto
-em linguagem de programação-, que por sua vez vão soltando sons pré-gravados,
construindo loops, sintetizando ruídos.
Em outras palavras, muito do que um DJ faz em um
live PA, só que com muito mais controle e por meio de uma interface de texto
que é projetada para todo mundo ver.
O resultado escancara o processo de construção da
performance eletrônica em tempo real. Com isso, a audiência passa a acompanhar
exatamente o que está acontecendo.
Não é incomum em uma "algorave" ver
pessoas se esquecendo de dançar para simplesmente observar o código que gera a
música ser editado em tempo real na tela.
Como dizia o provocador Marshall Mcluhan: "A
arte é um sistema de alerta capaz de informar uma velha cultura que algo novo
começou a acontecer". Conjugada com a tecnologia, ela é capaz de tornar o
familiar estranho. E o estranho familiar.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.