Fio
condutor do setor é entender a diversidade que o tema abrange hoje
Na semana passada participei de um encontro promovido
pela Fundação Rockefeller na Itália para discutir o estado atual da tecnologia,
com ênfase em inteligência artificial. Esse tipo de encontro é útil para organizar as ideias e
selecionar pontos de ação. Nesse sentido, destaco quatro tópicos importantes
para tomada de decisão atualmente.
O primeiro é reconhecer que quando falamos de
“tecnologia” não estamos nos referindo a um fenômeno que tem uma história e
linha evolutiva únicas. Ao contrário, tecnologia não é uma coisa só, apesar da
maioria das análises no ocidente apontarem nesse sentido. O que a tecnologia
significa para o Brasil é diferente do que ela se configura na Índia ou nos
EUA, ou para as populações tradicionais.
Por essa razão é preciso rejeitar conceitos
empobrecedores como a ideia de “singularidade”, que trata a tecnologia como
passível de convergência para um único ponto. Ao contrário, veremos cada vez
mais divergência, como a ascensão tecnológica da China demonstra. Essas divergências irão caracterizar
as próximas décadas.
Saber lidar com elas é um dos desafios para o
desenvolvimento nas próximas décadas.
Desconfie. Mesmo que a pessoa que está lhe enviando uma
mensagem seja conhecida, tome cuidado ao clicar em links ou abrir arquivos.
Muitos malwares infectam a conta de uma pessoa e usam ela para se espalhar. Uma
boa ideia pode ser entrar em contato por outra rede social para confirmar se
foi mesmo seu amigo quem mandou aquela mensagem.
O segundo ponto é que governos irão se converter
inevitavelmente em plataformas tecnológicas. Governo que não se tornar digital
perderá a capacidade de governar. Até porque tecnologia é em si uma forma de
governança. Uma boa lembrança disso é que a palavra “cibernética” vem do grego
“kybernētikē”, que significa precisamente “governar”.
A forma como cada governo irá fazer sua transição
tecnológica será determinante para a concretização de valores de cada
comunidade política. Por exemplo, no Brasil a Constituição protege a
privacidade.
Assim, é preciso condicionar a digitalização do governo
a esse valor essencial. Nesse sentido, não é surpresa que o decreto dogoverno federal que determinou a centralização dos dados dos cidadãos editado
há duas semanas tenha gerado tantas críticas.
A medida aponta para a digitalização do governo, só que
de forma totalmente equivocada e contraditória com os princípios
constitucionais. Alinhar tecnologia e valores será o maior desafio da transição
digital de qualquer governo.
O terceiro ponto é que no mundo em desenvolvimento a ideia de “bigdata” precisa ser contrastada com o problema do “no data”. Nos
países pobres e de renda média, como o Brasil, a regra mais comum é a ausência
de dados e não sua abundância. Isso gera enormes pontos cegos na capacidade de
governança, além de aprofundar desigualdades. São muitos os casos de “falta de
dados” no Brasil.
Por exemplo, uma parte significativa da população
brasileira não tem sequer endereço ou CEP. Grandes aglomerados urbanos, como
favelas, não estão sequer no mapa. Ou ainda, há milhões de pessoas no país sem
documentos básicos como RG e CPF. Essas lacunas não são admissíveis em um mundo
que precisa de dados para governar. Os “sem dados” serão os novos párias.
Por fim, tecnologia depende de planejamento. São muitos
os países que hoje possuem um plano nacional de inteligência artificial, o que
inclui a Índia e o México. No Brasil somos até bons de fazer planos, mas somos
péssimos em executá-los. Sem planejamento e execução o atraso será uma certeza.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP