Em todo o mundo, crescem os desafios à liberdade na internet, e
os usuários são obrigados a buscar atalhos e subterfúgios. Sobretudo a Rússia e
a Turquia tentam intensificar os controles sobre as empresas.
O presidente russo, Vladimir Putin, assinou uma lei que obriga
as companhias de internet a armazenar dados sobre usuários russos no próprio
país, onde o governo possa ter acesso a eles. Calcula-se que poucas empresas
cumprirão a lei, que entrará em vigor em 1° de setembro.
Em dezembro, a agência reguladora da internet na Rússia exigiu
que o Facebook retirasse uma página que estava divulgando uma manifestação
contra o governo.
Depois que a rede social bloqueou a página para seus cerca de 10
milhões de usuários russos, surgiram dezenas de páginas de imitadores e a
notícia se espalhou em outras redes como o Twitter.
Isso gerou ainda mais publicidade para o evento marcado para 15
de janeiro, em protesto contra a pena imposta a Aleksei Navalny, um conhecido
líder da oposição.
O blogueiro russo Anton Nosik disse que é absurdo um governo
achar que pode suprimir facilmente um conteúdo, já que esses materiais podem
ser copiados e encontrados em outros lugares mediante poucos cliques. “O leitor
sempre quer ver aquilo cujo acesso lhe foi negado”, disse Nosik.
O governo turco passou por constrangimento semelhante quando
tentou impedir a disseminação de documentos e gravações vazados no Twitter em
março.
Além de o governo perder uma batalha judicial relativa à
questão, e embora o Twitter estivesse bloqueado, legiões de turcos trocaram
dicas sobre truques técnicos para contornar a proibição.
“Nós
todos viramos hackers”, comentou Asli Tunc, professor na
Universidade Bilgi, em Istambul.
Conjunto
de regras
Ativistas pela liberdade de expressão consideram o Facebook, a
maior rede social do mundo, com 1,35 bilhão de usuários por mês, como a empresa
mais inclinada a cooperar com os governos.
No início de 2014, enquanto o Twitter estava bloqueado na
Turquia e o YouTube foi fechado, o Facebook retirou conteúdo impugnado e
continuou funcionando.
O Twitter, que tem cerca de 284 milhões de usuários por mês, se
autoapregoa como uma espécie de praça do mundo e um defensor global da
liberdade de expressão, mas se adapta à censura, ao mesmo tempo em que faz
vista grossa a estratégias para driblá-la.
Como maior ator do setor, o Google, cujo YouTube frequentemente
enfurece governos estrangeiros e é obrigado a enfrentar muitas batalhas, ainda
é considerado por muitos como um herói por sua decisão de deixar a China em
2010, em vez de continuar censurando resultados de buscas no país.
A despeito dessas vitórias dos defensores da livre expressão,
governos aumentam seus esforços para controlar a internet. “Há cada vez mais
pedidos para a retirada de informações”, disse Colin Crowell, vice-presidente
global do Twitter para políticas públicas.
O Paquistão, por exemplo, bombardeou o Facebook com quase 1.800
pedidos para retirar conteúdo no primeiro semestre de 2014. Todavia, a pressão
não parte apenas de regimes autocráticos.
A União Europeia, onde o recém-estabelecido “direito ao
esquecimento” permite que residentes solicitem a motores de busca a retirada de
links sobre eles, agora quer que resultados de busca em suas versões não
europeias também sejam deletados sob pedido.
No entanto, a Rússia é o atual ponto focal nas guerras que
envolvem censura. Em meados de 2014, Moscou passou a exigir que qualquer pessoa
com no mínimo 3.000 seguidores por dia acate regras semelhantes àquelas que se
aplicam a uma empresa de mídia.
O Google, cujo serviço de busca é o segundo mais usado na
Rússia, só perdendo para a local Yandex, anunciou que fechará seus escritórios
de engenharia no país.
A empresa disse que está consolidando esses escritórios
globalmente, mas um fator que pesou na decisão acima mencionada foi o risco de
ser alvo de inspeções a mando de autoridades russas.
Robert Shlegel, membro do Parlamento russo que participa da
elaboração de políticas para a internet no Kremlin, disse que as regulações
russas são uma reação à espionagem dos EUA revelada pelo ex-prestador de
serviços da NSA Edward Snowden.
Segundo ele, a prioridade da Rússia é persuadir outros países a
elaborarem um conjunto internacional de regras para redes sociais e sites
colaborativos, o qual estipularia em que situações países poderiam bloquear
páginas para cumprir leis nacionais.
Imagens
e lembranças
Shlegel disse que as autoridades russas não pretendem bloquear
empresas de internet que não cumprirem a lei. “O que precisamos fazer é
dialogar.”
Para Nosik, é improvável que as redes sociais como o Facebook e
o Twitter sejam proibidas.
Afinal, há o temor de que, ao perder repentinamente o acesso a
fotos, lembranças de família, cartas de amor e contatos com amigos acumulados
durante anos, milhões de usuários de internet russos passariam a culpar o
presidente Vladimir Putin.
Vindu Goel e Andrew E. Kramer – jornalistas do New York Times
Fonte:jornal Folha de São Paulo