Cemitério da Consolação, no centro paulistano -
Desde que se enterram os mortos em cemitérios, estes locais viraram espaços de práticas religiosas, de distinção social —dadas as diferentes localizações e arquiteturas dos túmulos— e de lembrança dos que nos são caros ou dos que desempenharam papel relevante na história. Mas, mais do que tudo, a presença de um campo santo numa cidade, para além de organizar a memória de um povo, serve para nos lembrar da finitude da vida.
A passagem nossa na Terra é rápida, e o tempo, “jogador ávido que ganha sem roubar”, fará com que dentro em pouco tudo nos diga “é tarde demais”, nas palavras de Baudelaire. Em outros termos, os cemitérios nos lembram do sentido da existência.
Viktor Frankl, médico e psicólogo austríaco deportado para campos de concentração na Segunda Guerra, onde perdeu sua família, escreveu um texto belíssimo sobre o tema, “A Busca do Homem por Sentido”.
Nele mostra como a construção de significado mobilizou ele e alguns que passaram pela mesma experiência na possibilidade de sobrevivência e no que ele chama de “dizer sim à vida”.
E isso inclui não se vitimizar ou ter pena de si próprio, dada a profundidade do sofrimento vivido. É fácil usar a dor como desculpa para não se desafiar a ir mais adiante e ousar gastar tempo sendo empático com os outros ou construindo uma. Lembrei-me do texto ao ler a biografia de Michelle Obama. Em muitos momentos de sua trajetória, ela resistiu à tentação de ir pelo caminho mais fácil, como quando contrariando a recomendação de sua mentora de sua escola de ensino médio se candidatou à Universidade de Princeton e fez seu mestrado em direito em Harvard.
Ou mesmo quando abandonou uma carreira bem remunerada num escritório de advocacia (onde foi supervisora de estágio de Obama) para atuar em desenvolvimento comunitário, algo que lhe dava mais sentido à vida. Ao falar de suas escolhas, Michelle se refere a um discurso de Jesse Jackson, parceiro de Martin Luther King, em que ele pregava que jovens alunos negros deveriam se concentrar nos seus estudos com muito mais garra que os demais, para poderem depois ajudar na emancipação de seus pares.
Outra influência veio do próprio Obama, quando ela constata que ele era um homem com uma visão e que lhe cabia apoiá-lo, sem perder a luz própria. E construiu o sentido de sua vida dedicando-se à educação das meninas, lutando para que possam desenvolver seu potencial e empreender seus sonhos. Um dia um cemitério a acolherá, como a todos nós, mas seu trabalho ficará como registro de sua passagem pelo planeta.
Afinal, prossegue Baudelaire, é preciso lembrar-se.
Claudia Costin - Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.
Fonte: coluna jornal FSP