Inteligência artificial aumenta
perigo de postar fotos de filhos nas redes.
Recursos que fazem reconhecimento facial podem ser usados por criminosos
e abusadores.
Existem dois tipos de
comportamentos distintos de pais no TikTok: aqueles que quebram ovos na cabeça de seus filhos para rir e
aqueles que estão desesperadamente tentando garantir que a internet não saiba quem são seus filhos.
Para a estrela do TikTok que
posta sob o nome de Kodye Elyse, uma experiência desconfortável online a fez
parar de incluir seus três filhos em suas redes sociais.
Um vídeo que ela
postou em 2020 de sua filha pequena dançando atraiu milhões de visualizações e comentários
assustadores de homens estranhos.
(Ela solicitou que o The New York Times não
publicasse seu nome completo porque ela e seus filhos já foram alvos de pessoas
que revelaram suas identificações na internet no passado.)
"É como se fosse (o filme)
"O Show de Truman" na internet", disse Elyse, 35, que tem 4
milhões de seguidores no TikTok e posta sobre seu trabalho como tatuadora e
suas experiências como mãe solteira. "Você nunca sabe quem está
olhando."
Após essa experiência, ela apagou as imagens de seus filhos da internet.
Ela rastreou todas as suas contas online, em sites como Facebook e Pinterest, e
as excluiu ou as tornou privadas. Desde então, ela se juntou ao barulhento
grupo de TikTokers que incentiva os pais a não postarem sobre seus filhos publicamente.
Mas, no mês passado, ela
descobriu que seus esforços não foram totalmente bem-sucedidos. Kodye Elyse
usou o PimEyes, um mecanismo de busca que encontra fotos de uma pessoa na
internet em segundos usando a tecnologia de reconhecimento facial.
Quando ela enviou
uma foto de seu filho de 7 anos, os resultados incluíram uma imagem dele que
ela nunca havia visto. Ela precisava de uma assinatura de US$ 29,99 (R$ 152,59)
para ver de onde a imagem tinha vindo.
Seu ex-marido tinha levado seu
filho a um jogo de futebol, e eles estavam ao fundo de uma fotografia em um
site de notícias, sentados na primeira fileira de assentos atrás do gol.
Ela
percebeu que não seria capaz de fazer com que o site de notícias apagasse a
foto, mas preencheu um pedido de exclusão no PimEyes para remover a imagem de
seu filho para que ela não aparecesse se outras pessoas
procurassem por seu rosto.
Ela também encontrou uma foto de
sua filha quando era criança, agora com 9 anos, sendo usada para promover um
acampamento de verão que ela havia frequentado.
Ela pediu ao acampamento para
remover a foto, o que eles fizeram.
"Acho que todo mundo
deveria verificar isso", disse ela. "É uma boa maneira de saber que
ninguém está reutilizando as imagens de seus filhos."
CUIDADO COM O
"SHARENTING"
Até que ponto os pais devem postar sobre seus filhos
online tem sido discutido e examinado a um grau tão intenso que
tem o seu próprio termo: "sharenting".
Historicamente, a principal
crítica aos pais que compartilham demais online tem sido a invasão da privacidade de seus filhos, mas os
avanços em tecnologias baseadas em inteligência artificial apresentam novas
maneiras para pessoas mal-intencionadas apropriarem-se indevidamente de
conteúdo online de crianças.
Entre os riscos novos estão
golpes com o uso de tecnologia "deepfake", que imitam vozes de
crianças, e a possibilidade de um estranho descobrir o nome e o endereço de uma
menor de idade apenas pesquisando sua foto.
Amanda Lenhart, chefe de
pesquisa da Common Sense Media, uma organização sem fins lucrativos que oferece
conselhos de mídia para pais, destacou uma recente campanha de serviço público da Deutsche Telekom (operadora
de telecomunicações da Alemanha) que propagava o compartilhamento mais
cuidadoso dos dados das crianças.
O vídeo apresentava uma atriz
interpretando uma menina de 9 anos chamada Ella, cujos pais fictícios eram
indiscretos ao postar fotos e vídeos dela online.
A tecnologia deepfake gerou
uma versão digitalmente envelhecida de Ella que foi usada para chantagear seus
pais fictícios, dizendo-lhes que sua identidade foi roubada, sua voz foi
duplicada para enganá-los pensando que ela foi sequestrada e uma foto nua de
sua infância foi vendida.
Lenhart chamou o vídeo de
"exagerado", mas afirmou que mostrava que "na verdade, essa
tecnologia é realmente muito boa" para qualquer fim.
As pessoas já estão
recebendo ligações de golpistas imitando entes queridos em perigo usando
versões de suas vozes criadas com ferramentas de IA.
Jennifer DeStefano, uma mãe que
mora no estado de Arizona (EUA), recebeu uma ligação este ano de alguém que
afirmava ter sequestrado sua filha de 15 anos.
"Eu atendi o telefone
'Alô'; do outro lado estava nossa filha Briana soluçando e chorando dizendo:
'Mãe'", relatou a mãe em depoimento no Congresso no fim do semestre
passado.
DeStefano estava negociando para
pagar aos sequestradores US$ 50 mil quando descobriu que sua filha estava em casa
"descansando em segurança na cama".
O QUE UM ROSTO REVELA
Fotos e vídeos obscuros online
podem ser vinculados ao rosto de alguém com tecnologia de reconhecimento
facial, que tem se tornado mais poderosa e precisa nos últimos anos.
Fotos
tiradas em uma escola, uma creche, uma festa de aniversário ou um parquinho
podem aparecer em uma busca. (Uma escola ou creche deve apresentar um termo de
consentimento e deixar o responsável à vontade para negar)
"Quando uma criança é mais
nova, os pais têm mais controle sobre sua imagem", disse Debbie Reynolds,
consultora de privacidade de dados e tecnologias emergentes.
"Mas as
crianças crescem. Elas têm amigos. Elas vão a festas. As escolas tiram
fotos", destacou.
Reynolds recomenda que os pais
pesquisem online pelos rostos de seus filhos usando um serviço como PimEyes ou
FaceCheck.ID. Se não gostarem do que encontrarem, eles devem tentar fazer com
que os sites nos quais a foto foi postada a removam, disse ela. (Alguns irão,
mas outros —como sites de notícias—podem não fazê-lo.)
Em uma pesquisa de 2020 do Pew Research, mais de 80% dos pais
relataram compartilhar fotos, vídeos e informações sobre seus filhos em sites
de rede social. Especialistas não conseguiram dizer quantos pais estão
compartilhando essas imagens apenas em contas privadas em vez de publicamente,
mas disseram que o compartilhamento privado era uma prática cada vez mais
comum.
Embora um mecanismo público de busca facial seja uma ferramenta
potencialmente útil para um pai, ele também pode ser usado para fins nefastos.
"Uma ferramenta como o PimEyes pode ser —e provavelmente é—
usada tão facilmente por um perseguidor quanto por um pai preocupado",
disse o pesquisador de privacidade Bill Fitzgerald, que também expressou
preocupação com pais autoritários que a usam para monitorar as atividades de
seus filhos adolescentes.
O proprietário do PimEyes, Giorgi Gobronidze, disse que mais de
200 contas foram desativadas no site por pesquisas inadequadas de rostos de
crianças.
Um mecanismo de reconhecimento
facial semelhante, Clearview AI, cujo uso é limitado às forças policiais, foi
utilizado para identificar vítimas em fotos de abuso sexual infantil.
Gobronidze explicou que o PimEyes também foi o recurso adotado por organizações
de direitos humanos para ajudar crianças.
Mas ele está preocupado o
suficiente com possíveis usuários que são predadores de crianças e alega que o
PimEyes está trabalhando em um recurso para bloquear pesquisas de rostos que
parecem pertencer a menores de idade.
Por sua vez, o consultor Bill
Fitzgerald está preocupado que os pais que usam a ferramenta para procurar seus
próprios filhos possam estar ajudando inadvertidamente o algoritmo do PimEyes a
melhorar seu reconhecimento desses menores.
Antropóloga cultural e diretora
do Connected Learning Lab da Universidade da Califórnia, Mimi Ito afirmou que a
tecnologia de reconhecimento facial tornou o compartilhamento online de fotos
de crianças, que normalmente é alegre, mais desafiador.
"Há uma crescente
consciência de que, com a IA, não temos realmente controle sobre todos os dados
que estamos espalhando no ecossistema das redes sociais", disse.
ZUCKERBERG E SNOWDEN ESCONDEM
ROSTOS DE FILHOS
Lucy e Mike Fitzgerald,
dançarinos profissionais de dança de salão em Saint Louis, nos EUA, mantêm uma
presença ativa nas redes sociais para divulgar seu negócio e se abstêm de
postar imagens online de suas filhas, de 3 e 5 anos, e pediram a amigos e
familiares que respeitem a decisão.
Eles acreditam que as crianças devem ter o
direito de criar e controlar por si mesmas. Eles também se preocupam que suas
imagens possam ser usadas de forma inadequada.
"O fato de você poder
roubar a foto de alguém em alguns cliques e depois usá-la para o que quiser é
preocupante", disse Lucy.
"Eu entendo o apelo de postar fotos de seus
filhos, mas, no final das contas, não queremos que sejam eles que tenham que
lidar com possíveis consequências não intencionais."
Ela e seu marido não são
especialistas que foram "informados sobre o que está por vir no horizonte
da tecnologia", mas explicou que eles "tiveram uma sensação"
anos atrás. "(achávamos que) haveria capacidades que não podemos prever
agora que eventualmente serão problemáticas para nossos filhos".
Pais que são mais propensos a
conhecer detalhes sobre o que está por vir no horizonte da tecnologia, como
Edward Snowden, o contratante da Agência de Segurança Nacional que se tornou
denunciante, e Mark Zuckerberg, o co-fundador do Facebook, escondem os rostos
de seus filhos em postagens públicas de mídia social.
Em postagens temáticas de
feriados no Instagram, Zuckerberg usou o método desajeitado de emojis -
postando um adesivo digital nas cabeças de seus filhos mais velhos - enquanto
Snowden e sua esposa, Lindsay Mills, posaram artisticamente um de seus dois
filhos atrás de um balão para obscurecer seu rosto.
"Eu quero que meus filhos
tenham a opção de se revelarem ao mundo, da forma que escolherem, quando
estiverem prontos", disse Mills.
Um porta-voz de Zuckerberg se
recusou a comentar ou explicar por que o rosto de seu bebê não recebeu o mesmo
tratamento e se foi porque a tecnologia de reconhecimento facial não funciona
muito bem em bebês.
PRIVACIDADE E SUCESSO NO FUTURO
Muitos especialistas observaram
que os adolescentes pensavam muito sobre como resolver suas identidades
digitais e que alguns usavam pseudônimos online para evitar que os pais,
professores e potenciais empregadores encontrassem suas contas.
Mas se houver
uma imagem pública nessa conta que mostre o rosto deles, ainda pode ser
vinculada a eles por meio de um mecanismo de busca facial.
"É muito difícil manter seu
rosto fora da web", disse Priya Kumar, professora assistente na
Universidade da Pensilvânia, que estudou as implicações de privacidade do
compartilhamento de informações pessoais online.
Kumar sugere que os pais
envolvam as crianças, por volta dos 4 anos de idade, no processo de postagem e
conversem com elas sobre quais imagens são adequadas para compartilhar.
Amy Webb, CEO da consultoria
focada em tecnologia Future Today Institute, prometeu em um post no Slate há
uma década não postar fotos pessoais ou informações de identificação de sua
filha pequena online.
Alguns leitores encararam isso como um desafio e
encontraram uma foto da família que Webb inadvertidamente tornou pública,
ilustrando o quão difícil pode ser manter uma criança fora da internet.
Sua filha, agora adolescente,
disse que gostava de ser um "fantasma online" e achava que isso a
ajudaria profissionalmente.
"Futuros empregadores 'não vão encontrar absolutamente nada
sobre mim porque eu não tenho nenhuma plataforma", disse ela. "Isso
vai me ajudar a ter sucesso no futuro."
Outros jovens que cresceram na era do compartilhamento online
também disseram que eram gratos por terem pais que não postavam fotos deles
publicamente na internet.
Shreya Nallamothu, de 16 anos, é uma estudante cuja pesquisa
sobre influenciadores infantis ajudou a promulgar uma nova lei estadual em
Illinois, nos EUA, que exige que os pais reservem ganhos para seus filhos se
estiverem apresentando-os em conteúdo online monetizado.
Ela disse que era "muito grata" por seus pais não
postarem "momentos super embaraçosos de mim nas redes sociais".
"Há pessoas na minha turma que são muito boas em encontrar o Facebook dos
pais dos seus colegas e rolar a página", explicou. Eles usam qualquer
material embaraçoso para postagens de aniversário que desaparecem no Snapchat.
Arielle Geismar, de 22 anos, estudante universitária e defensora
da segurança digital em Washington, descreveu isso como um "privilégio
crescer sem que uma identidade digital seja criada para você".
"As crianças são atualmente cobaias da tecnologia", disse
Geismar. "É nossa responsabilidade cuidar delas."
THE NEW YORK TIMES