Investidor, o Brasil não é uma ilha
Euforia
com notícias locais pode levar a duros reajustes quando a realidade bate à
porta.
A vastidão dos 8,5 milhões de quilômetros quadrados
do nosso território pode fazer a gente esquecer de vez em quando: o Brasil não
é uma ilha.
É natural que, submersos no noticiário doméstico
—com assunto para ocupar nossos dias e noites—, sejamos mais breves ao olhar
para fora.
É preciso treinar o olhar para não acreditar que boas ondas
signifiquem, por si só, uma virada de maré.
Tivemos uma belíssima notícia na semana passada: o
Copom, Comitê de Política Monetária, manteve nossa taxa básica de juros intacta,
sinalizando que, no patamar (elevadíssimo) em que está, a Selic tem cumprido sua missão de segurar
a inflação.
O arrefecimento dos preços é o lance mais esperado
pelos brasileiros nos últimos meses. Saber que o remédio funcionou e que não
precisaremos aumentar a dose, por enquanto, é animador.
Aceleramos na contramão dos EUA e de diversos
países europeus, que anunciaram, no mesmo dia, o aumento das taxas de juros e
sinalizaram que não vão parar por aí, já que a inflação americana e europeia
parece longe de ser controlada.
Em clima de Copa, a nossa Bolsa voou na quinta-feira (22),
enquanto os mercados derretiam nos EUA, na Europa e na Ásia.
Na sexta-feira
(23), bateu a ressaca, e o Ibovespa despencou mais de 2,5% em menos de duas
horas de negociação. Já explico.
Saber que o dinheiro não deve ficar mais caro nos próximos meses
atrai investidores para as empresas na nossa Bolsa, que agora têm mais clareza
sobre os caminhos a serem percorridos.
Varejo e construção civil, por exemplo,
que são completamente afetados pela inflação, ficam mais apetitosos.
O problema é que temos a certeza de que haverá novas altas dos
juros nos EUA, mas não sabemos até onde eles vão. Isso gera insegurança sobre
os patamares praticados aqui. Cá entre nós, o Copom sabe disso.
O próprio
comunicado que emitiu diz que o comitê "não hesitará em retomar o ciclo de
ajuste" se os preços não murcharem como esperado.
Lembra que uma das razões de aumentar juros é tornar os títulos
públicos atraentes para grandes investidores e captar dinheiro?
Então… se os
títulos do Tesouro americano, considerados os mais seguros do mundo, ficarem
muito mais rentáveis do que agora, é possível que tenhamos que forçar a barra
por aqui mais um pouco para atrair o dinheiro global.
Os analistas que comemoram uma suposta chegada ao teto da Selic
também diziam, quando os reajustes começaram a ser feitos, que o limite para a
taxa de juros neste ano seria de 6,5% ao ano.
A euforia com boas notícias locais pode levar a duros reajustes
quando a realidade bate à porta e nos lembra que estamos disputando dinheiro
com o mundo inteiro.
Entre possíveis contradições entre cenário local e global, os
gráficos têm chamado a atenção para as petroleiras brasileiras. Petrobras
(PETR4), PetroRio (PRIO3), Petrorecôncavo (RECV3) e 3R Petroleum (RRRP3) viram
suas ações subir com gosto, acompanhando a alta dos preços do petróleo.
Desde junho, entretanto, os preços da commodity têm caído com
constância. O barril de óleo do tipo Brent saiu dos US$ 123 para chegar, na
semana passada, à casa dos US$ 85.
Os papéis das petroleiras brasileiras não acompanharam a
derrocada e, agora, flutuam bem acima da variação do óleo, gerando insegurança
sobre o quão sustentáveis são seus preços atuais.
Manter o bom humor é recomendado inclusive pelos profissionais
da saúde, mas convém lembrar da receita de Jorge Ben Jor: "Prudência e
dinheiro no bolso; canja de galinha não faz mal a ninguém".
MARCOS DE VASCONCELLOS - jornalista,
assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado