Num dia, o
Ministro Henrique Meirelles decretou o fim da recessão. No dia seguinte, foi
divulgado o PIB: a oitava queda trimestral consecutiva e uma retração de 3,6%
em 2016. Segundo o ministro, estes dados refletem o passado, uma visão pelo
retrovisor, e não o presente ou o futuro.
Tecnicamente, o
ministro tem razão. Por que, então, as pessoas se atêm à imagem no retrovisor
ao invés de olhar diretamente para o futuro? Porque a imagem no retrovisor é
nítida; já a imagem do futuro no para-brisas é embaçada.
Enquanto o
motorista estiver em uma estrada reta e sem obstáculos, dirigir pela imagem do
retrovisor até pode funcionar. Quando as curvas ou obstáculos
inevitavelmente chegarem...
Como, então,
formar uma imagem do futuro mais realista do que uma mera fotografia do
passado? Aí é que entram os indicadores antecedentes. Eles mudam de direção
antes da economia como um todo, apontando o caminho que a economia geralmente
segue na sequência. Como se, logo à frente, houvesse outros carros enviando
sinais do caminho ao carro de trás. Assim, o carro de trás teria uma boa ideia
das curvas à frente.
Curva na
economia, é isso que vários indicadores antecedentes têm apontado. A recessão
parece ter ficado para trás. O crescimento parece estar chegando.
Comparando
janeiro com dezembro e descontando-se a sazonalidade – as diferenças normais
entre meses diferentes do ano ̶ o tráfego
de veículos leves nas rodovias cresceu 1,6%, indicando que as pessoas estão
viajando mais; as vendas nos supermercados cresceram 1%, mostrando recuperação
no consumo; as vendas de papelão ondulado, que indicam a demanda por embalagens
e a expectativa de vendas da indústria, cresceram 1,8%; as importações de bens
intermediários, que também indicam as expectativas da indústria, cresceram 1%;
a produção de motos cresceu 9,1%. Se sustentadas ao longo de todos os meses do
ano, estas taxas de crescimento fariam com que, em dezembro, estes indicadores
fossem entre 12,7% e 184,4% maiores do que em dezembro do ano passado.
A recessão parece ter ficado
para trás. O crescimento parece estar chegando.
Na comparação
com janeiro de 2016, a produção da indústria cresceu 1,4%, a primeira alta em
três anos, e os investimentos de empresas estrangeiras no país foram os maiores
da história, sinalizando que os gringos estão mais confiantes do que nós com
nosso país. A recuperação parece ter continuado em fevereiro. Na
comparação com janeiro, descontando a sazonalidade, o emplacamento de veículos
comerciais leves cresceu 11,6% e a confiança do consumidor cresceu 2,5%.
Consumidores mais confiantes gastam mais, alavancando as vendas das empresas.
Vendendo mais, as empresas acabam contratando mais trabalhadores, aumentando a
renda da população e o próprio consumo, em um círculo virtuoso.
Estes dados são
insuficientes para sermos taxativos sobre a tendência futura da economia, mas
há ótimas razões ̶ começando
pela queda dos juros e a perspectiva de aumento do crédito e, por tabela, do
consumo e investimento ̶ para crer
que a recuperação tem tudo para se sustentar, salvo uma séria crise externa ou
um agravamento da crise política que impeça o avanço no Congresso das reformas
da Previdência, Trabalhista e Tributária.
Em função da
recessão, da queda do dólar e de uma super-safra de alimentos, a inflação está
em queda livre, o que tem permitido e continuará a permitir que o Banco Central
corte a taxa de juros. A perspectiva de que os juros caiam mais estimula os
bancos a emprestar antes que as taxas, e portanto a rentabilidade dos
empréstimos para os próprios bancos, estejam mais baixas, o que deve fazer com
que a oferta de crédito volte a crescer, estimulando o consumo e os
investimentos das empresas. Mais consumo, mais vendas. Mais investimentos, mais
empregos.
Em janeiro, o
número de pessoas que perderam o emprego já foi menor. Mais importante e
surpreendente, a indústria paulista contratou mais do que demitiu pela primeira
vez em quase dois anos. O desemprego costuma ser a última das variáveis
econômicas a responder a mudanças de cenário econômico. A confiança das
empresas na recuperação tem de ser grande para elas voltarem a contratar.
Quedas da taxa de desemprego ainda no primeiro semestre serão surpresa, mas no
segundo semestre, elas devem começar, intensificando-se ao longo do ano que vem.
Apesar disso
tudo, é importante manter expectativas realistas. A queda do PIB em todos os
trimestres do ano passado garante que, na melhor das hipóteses, teremos um
crescimento ínfimo do PIB neste ano, não porque a recuperação econômica
necessariamente será fraca ou lenta, mas por razões do método estatístico. O
crescimento do PIB anual é calculado somando-se o PIB dos quatro trimestres de
um ano e comparando a soma com a soma do PIB dos quatro trimestres do ano
anterior. Como o PIB caiu nos quatro trimestres de 2016, o PIB do último
trimestre foi quase 2% menor do que o PIB do primeiro trimestre. É desta base
menor que iniciamos 2017. Por isso, se o PIB trimestral simplesmente permanecer
no mesmo nível do último trimestre de 2016 ao longo dos quatro trimestres de
2017, ou seja nem crescer nem cair nada, o PIB anual registrará uma queda de
1,1%. Apenas para que o PIB anual permaneça estável em 2017, temos de ter um
crescimento médio anualizado de 1,8% nos quatro trimestres de 2017.
Isto é
importante porque a sensação que teremos da economia e o impacto que ela terá
na vida das pessoas ao longo de 2017 serão bem melhores do que a variação do
PIB anual vai sugerir. Além disso, se o PIB efetivamente crescer ao longo dos
quatro trimestres de 2017, o PIB do quarto trimestre será bem maior do que o
PIB do primeiro trimestre do ano, o que causará o efeito estatístico oposto nos
dados do PIB do ano que vem, inflando a taxa de crescimento anual, o que pode
até ajudar eventuais candidatos do atual governo na corrida eleitoral de 2018.
Ricardo Amorim - CEO da Ricam Consultoria, apresentador no Manhattan
Connection, autor do bestseller Depois da Tempestade.