Quantas
pedras há na orla de Copacabana?
Talvez
seja isso que Drummond, sentado perto do forte, esteja tentando
responder.
A praia de Copacabana se mistura à
história da matemática: foi lá que Stephen Smale vislumbrou uma certa
ferradura muito especial. É lá também que o olhar de Carlos Drummond
de Andrade, sentado perto do forte, perde-se ao longe. Com todo o tempo do
mundo disponível, será que ele estaria tentando quantificar o verso e
responder, afinal, quantas pedras há no meio do caminho?
O calçadão da orla de Copacabana se
estende por 4 quilômetros, cobertos por um desenho feito de pedras brancas e
pretas que acabou virando um cartão-postal da cidade. Quantas pedras há no
calçadão de Copacabana? Como podemos contar quantas pedras há nessa orla?
A primeira estratégia para resolver o
problema é contar uma por uma. Mas seus inconvenientes são óbvios: a
temperatura pode não ser a mais amena e sempre há o risco de se distrair com a
beleza do entorno. Sem contar que requer uma paciência de Jó.
Tentemos outro método. Suponha que a
largura do calçadão seja de 4 metros. E vamos supor que ele tem a forma de um
retângulo. Assim, sua área seria de 16 mil metros quadrados. Já que no calçadão
cabem 16 mil quadrados de 1 metro cada lado, vamos nos concentrar em um deles.
Para simplificar, vamos chamar estes quadrados menores de unitários.
A ideia é simples: se soubermos
quantas pedras há em um quadrado unitário, basta multiplicar a resposta por 16
mil e teremos uma estimativa para o calçadão inteiro. Aqui, o exercício se
reduziu a contar quantas pedras há em uma área (bem) menor.
Vamos fazer uma estimativa sem sair
de casa. Suponha que cada pedra seja perfeitamente quadrada, com lados de 5
centímetros. Assim, haveria 400 delas em cada quadrado unitário. E no calçadão
inteiro haveria algo como 6,4 milhões de pedrinhas. Mas tem um detalhe crucial:
a conta só funciona se todas as pedras tiverem o mesmo formato e as mesmas
medidas. Uma hipótese muito forte, talvez.
Uma alternativa é atribuir
probabilidades às formas e tamanhos das pedras. Um metro quadrado corresponde a
10 mil centímetros quadrados. A ideia é cobrir 10 mil centímetros quadrados com
pedras de 25, 16, e 9 centímetros quadrados, e um ‘resto’. Vamos supor que 20%
das pedras sejam as de 25 centímetros quadrados, 40% delas sejam as de 16
centímetros quadrados e outros 20% sejam as de 9 centímetros quadrados.
Este cenário requer 80 pedras de 25
centímetros quadrados (pra cobrir 2 mil dos 10 mil centímetros quadrados), 250
pedras de 16 centímetros quadrados e 222 pedras de 9 centímetros quadrados. O
total já está em 552 pedras e ainda faltam 2 mil centímetros quadrados a serem
cobertos. Estes 2 mil centímetros quadrados da nossa ignorância são cobertos
por pedras de vários tamanhos, e pelo rejunte entre elas (por melhor que seja o
mestre calceteiro, sempre há lá qualquer coisa). Digamos que existam aqui
outras 150 pedras, elevando o total para 702. O total do calçadão passa a 11
milhões e 232 mil pedras!
Fazer variar a ocorrência de cada
formato de pedra trará resultados diferentes. Mas qualquer ocorrência suposta a
priori pode implicar erros gigantescos. Afinal estamos a multiplicar o que não
sabemos por números como 16 mil!
Vamos tentar algo empírico –vamos pra
rua! Ao caminhar pela orla, podemos nos deter, delimitar 1 metro quadrado e
contar quantas pedras há nele. Após 500 metros, repetimos o experimento. Ao
final do calçadão, teremos oito amostras. Podemos calcular a média e
multiplicar por 16 mil. Pelas minhas contas, teríamos 8 milhões e 128 mil
pedras. Uma vez mais, há problemas: se uma reforma recente alterou o padrão da
calçada, os dados podem produzir erros.
Outra estratégia envolve ter à mão um
computador e pedir ajuda à inteligência artificial. O plano é ensinar a máquina
a contar pedras a partir de uma foto de alta resolução. Com um drone,
sobrevoamos o calçadão e tiramos diversas fotografias. Alimentamos o computador
com tais imagens e perguntamos a ele quantas pedras há. Claro que uma sombra
fora de lugar ou um passarinho podem produzir distorções na análise. E o custo
computacional pode ser elevadíssimo. Mas talvez não seja má ideia.
Uma resposta definitiva parece
impossível. E talvez irresponsável. Mas refletir sobre uma questão assim é como
caminhar na orla: independentemente de onde se chega, o caminho é o que mais
importa.
Edgard Pimentel - matemático e professor da PUC-Rio.