Por que não é possível espirrar sob encomenda?


Por que não é possível espirrar sob encomenda?

Interrupção da respiração ocorre apenas por neurônios que monitoram interior do nariz.

Anos atrás, na época em que a Barra da Tijuca era novidade lá do outro lado do Rio de Janeiro e chegar lá levava quase duas horas de viagem com trânsito bom, fui com os amigos ao cinema no shopping recém-inaugurado. 

O transporte era ônibus público, mas chique, com ar condicionado.

E eu espirrei de um lado a outro da viagem. Sou grata aos meus amigos por não me jogarem pela janela. S

e eu tivesse tentado espirrar tanto assim de propósito, não teria conseguido. Aliás, nem um único espirro teria saído.

A razão, como mostra um belo estudo recém-publicado na revista Cell, feito por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Washington, em Saint Louis, nos EUA, é que o espirro é exclusivamente um reflexo: ou ele é causado por uma irritação dos neurônios que monitoram o interior do nariz, ou não tem espirro.

A razão é que o espirro, como o estudo revela, é uma aberração do padrão normal de respiração provocada diretamente pela liberação do peptídeo neuromedina B em casos de irritação da mucosa nasal. Camundongos geneticamente modificados sem neuromedina B não transmitem adiante o sinal da irritação nasal, e podem cheirar pimenta à vontade que eles não espirram. 

Nem mesmo um eletrodo enfiado no lugar certo do cérebro, que normalmente dispararia um acesso, faz esses camundongos espirrarem. Enquanto isso, sua respiração normal segue intocada, alheia ao que acontece no nariz.

O ritmo normal da respiração, ainda bem, é involuntário e independente de vontade, gerado por uma rede de neurônios que ativam uns aos outros alternadamente, numa ciranda que só tem fim quando o cérebro morre. 

Assim, é possível suprimir por alguns momentos ou acelerar a respiração, ou inspirar sob comando (agora!), mas ninguém corre o risco de esquecer de respirar. 

Para um espirro acontecer, é preciso dar um coice na fonte da ciranda (o centro gerador do padrão respiratório no tronco cerebral), e forçar a contração súbita e intensa de todos os músculos que causam o esvaziamento dos pulmões.

Esse coice, segundo o estudo, é a liberação de neuromedina B sobre os neurônios da ciranda pelos neurônios do núcleo espinal do nervo trigêmeo, que por vez acontece quando, dentro do nariz, as terminações dos neurônios do gânglio espinal do nervo trigêmeo detectam irritação, futucação, frio, luz ou poeira. 

Sem neuromedina B não tem espirro.

Pensar em espirro até evoca a sensação de irritação do espirro, cortesia do seu córtex cerebral, mas o padrão respiratório continua lá, firme e forte, normalzinho. Para espirrar sob encomenda, só cheirando pimenta.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Fonte: coluna jornal FSP

 

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