Hora
dedicada à navegação é hora que deixou de ser aproveitada com algo que nos
alimenta.
Recente
pesquisa da HootSuite, em parceira com a We Are Social, aponta o Brasil
como o terceiro país que mais usa a internet ao longo do dia. Em média, cada
brasileiro chega a ficar, diariamente, mais de 9 horas online. Considerando
apenas o uso de celulares, passa, por dia, mais de quatro horas conectado e,
desse total, cerca de três horas e meia são gastas nas redes sociais. Ficamos
atrás apenas dos tailandeses e dos filipinos.
Cena no aeroporto de Congonhas, em São Paulo;
brasileiro gasta mais de três horas por dia nas redes sociais
A
internet empodera as pessoas de várias formas, seja pelo mar de informações que
oferece, permitindo que estejamos sempre antenados, em contato com as
tendências mundiais e nos conectando a pessoas em qualquer lugar do mundo, seja
pela praticidade e facilidade com que permite a busca de soluções rápidas para
necessidades específicas.
Ao
mesmo tempo, também nos permite retomar contato com pessoas que fizeram parte
de nossas vidas no passado ou ter a chance de encontrar novos amigos com
interesses em comum. Além disso, facilita o desenvolvimento de novas
habilidades ou a busca de emprego, partes de uma lista de benefícios bastante
extensa.
Essa
dedicação enorme de tempo, recurso tão precioso quanto incerto em sua
disponibilidade pela vida, deve nos levar a uma autoavaliação: será que estamos
usufruindo desse bem de forma consciente? E esse consumo em ambientes digitais
nos leva a um consumo de produtos impensado e excessivo?
Muitas
vezes, ao acessar a internet em busca de um assunto específico, somos
rapidamente direcionados para outros que nos distanciam de nosso foco inicial
em questão de segundos. Perder o foco pode ser uma armadilha que, sem
percebermos, nos leva a dedicar horas e horas de nosso tempo, deixando de
valorizar ou priorizar outras atividades importantes em nossa rotina.
Basta
fazer a conta: tomando as 24 horas de um dia, supondo que dormimos por oito,
trabalhamos ou estudamos por mais oito, e considerando o tempo gasto nas
refeições, no banho e no descolamento de casa ao trabalho, restam de 4 a 6
horas para nossas relações pessoais, com amigos ou familiares. Nesse sentido, é
essencial levar em conta o que é realmente importante em nossas vidas quando
pensamos no tempo dedicado ao ambiente digital.
Assim,
enquanto as pessoas gastam seu tempo em feeds de redes sociais ou em portais de
notícias e informação, são simultaneamente provocadas, em uma frequência
crescente, pelo aparecimento de anúncios de diversas marcas e produtos. Se nos
meios de comunicação tradicional já éramos provocados de tempos em tempos pela
publicidade, agora esse “de tempos em tempos” tornou-se ainda mais frequente,
dependendo da política incorporada pela rede social ou pelo portal
específico.
Em
recente pesquisa do Boston Consulting Group (BCG), foi observado que os
consumidores brasileiros são muito receptivos ao marketing digital,
principalmente quanto a temas de seu interesse. A pesquisa afirma que:
“Diferente do que muitos podem imaginar, o consumidor brasileiro tende a clicar
em anúncios pagos, principalmente se forem temas que o interessam... 56% deles
se declaram inclinados a clicar em algum anúncio digital quando o veem, número
que pode chegar a mais de 75% quando os anúncios são de seu interesse. Inclusive,
84% desses consumidores não utiliza ad blockers de forma sistemática. Além
disso, cerca de 65% dos consumidores indicaram que comprariam mais se
recebessem abordagem mais personalizada, e mais de 60% disseram que mudariam a
opção de compra por outra marca, em troca de experiência mais personalizada”
Esse
comportamento vem sendo, com razão, amplamente utilizado pelas empresas em suas
estratégias de publicidade. Segundo dados divulgados em 2017 pela Social Media Trends (), 92,1% das empresas
estão presentes nas redes sociais e, de acordo com estudo da Ironpaper, 93% das decisões de compra são influenciadas pelas
mídias sociais. Adicionalmente, a pesquisa E-commerce Trends de 2017 aponta que as lojas virtuais que publicam em
blogs alcançam 3 vezes mais visitas e 2,5 vezes mais clientes do que as que não
investem nas estratégias de conteúdo.
Além
disso, é sabido que as estratégicas de publicidade consideram cuidadosamente as
informações fornecidas pelas pessoas sobre assuntos que as interessam,
permitindo um direcionamento da comunicação que chega até elas. O consumo
digital, portanto, nos torna mais passíveis de receber ofertas direcionadas
especificamente aos nossos interesses e implica em uma maior probabilidade de
incentivar comportamentos típicos de compras excessivas, que nos levam, como o Akatu gosta de apontar, a “comprar produtos ou serviços que não
precisamos, muitas vezes com o dinheiro que não temos e, em muitos casos, para
impressionar quem nem conhecemos direito”.
Nesse
sentido, o tempo gasto no ambiente digital contribui para todos os
impactos negativos dos comportamentos de compras excessivas sobre as pessoas, a
sociedade e o meio ambiente. Sobre as pessoas, pela tensão derivada da
pressão para consumir. Sobre a sociedade, pela inadimplência provocada pelas
compras impensadas e pelo crédito tomado sem o cuidado necessário. E sobre o
meio ambiente, pelos impactos das cadeias de produção que intensificam os impactos
em várias áreas, entre elas sobre o aquecimento global em função do volume
crescente de transporte de produtos.
Na
compra de produtos em excesso, não nos damos conta de que, além do possível
endividamento, estamos dedicando nosso tempo à leitura de anúncios, às compras
em si – com todas as consequências em termos de tempo dedicado ao pagamento e
acompanhamento do envio –, à conferência do débito e ao pagamento, tempo este
que poderia ser dedicado ao nosso próprio desenvolvimento, e à nossa própria satisfação
e alegria, por meio do contato com familiares e amigos, da leitura de livros,
da apreciação da arte e do aperfeiçoamento do espírito.
Isso
não implica em dizer que o e-commerce, é algo ruim. Em muitas ocasiões, as
compras virtuais podem ser uma boa alternativa por viabilizar o acesso a uma
maior gama de produtos e serviços, possibilitar uma compra mais adequada,
poupando tempo e até mesmo dinheiro por facilitar também a comparação de
preços. Porém, o que não se pode deixar de lado é a reflexão a respeito do
porquê comprar, compreendendo a real necessidade de determinado produto ou
serviço, de qual a melhor forma de adquiri-lo e dos impactos de tal compra
sobre nós mesmos, a sociedade e o meio ambiente.
O objetivo deste artigo, portanto,
é trazer à consciência dos leitores o fenômeno relativamente recente do consumo
de tempo no ambiente digital e dos seus possíveis impactos, ainda pouco
percebidos, mas que devem ser ponderados frente à preciosidade desse recurso
tão perecível e disponível em apenas um tanto em nossas vidas. A cada hora
desperdiçada em algo que não tem importância, uma hora deixou de ser
aproveitada com algo que nos alimenta e nos apoia como humanos. Vale refletir a
respeito!
Helio Mattar - diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário
de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior
(1999-2000).
Fonte: coluna jornal FSP