Duvide sempre, principalmente daqueles com quem você
concorda. Essas e tantas outras perguntas foram feitas por alunos ao se
depararem com um resultado que não lhes agradou: em muitos casos, milionários
presidentes-executivos geram mais valor do que recebem.
Veio outra saraivada quando analisamos a ineficácia da
universalização de creches em Québec, no Canadá. Mas, quando discutimos
aquecimento global ou o aumento da desigualdade de renda nos EUA, não houve
nenhuma pergunta —todos aceitaram
O presidente dos EUA, Donald Trump,
fala à imprensa que seus comentários a respeito da violência em Charlottesville
(um manifestante foi morto por grupos neonazistas) foram deturpados pela mídia.
“O público está aprendendo o quão desonesta é a fake news. Deturpar o que eu
digo sobre ódio, intolerância. Vergonha!", escreveu Trump no Twitter, à
época Mandel Ngan/AFP
Notícias falsas (fake news) só
existem por causa do viés da confirmação, a tendência de sermos muito mais
propensos a aceitar sem críticas notícias que corroboram nossa visão de mundo.
Somos extremamente rígidos com qualquer informação que contradiga nossa
experiência —ela está errada, a fonte não é confiável, o autor é incompetente,
é um agente da CIA etc. Mas aceitamos de bom grado qualquer evidência, mesmo de
fonte duvidosa, se tivermos convicção sobre o assunto.
No Brasil, poucos assuntos são mais propensos ao viés da
confirmação que o Bolsa Família e o déficit da Previdência. No primeiro caso,
todas as avaliações do programa chegaram à mesma conclusão: é excelente, barato
e não gera desincentivo ao trabalho ou estímulo à natalidade.
É uma das melhores políticas públicas da história
brasileira. No caso da Previdência, o déficit é gigantesco e crescente —uma
bomba-relógio. Contudo, não faltam críticos gritando que o Bolsa Família é
ruim, e no país se chega ao cúmulo de associações de classe parciais, já que
seus membros sairiam prejudicados, usarem erros infantis para justificar que o
déficit não existiria.
Pensar é caro. É isso que mostra o consenso científico
de neurociência e psicologia aplicada. Daniel Kahneman,
Nobel em Economia, mostra em “Pensando Rápido e Devagar” como nosso cérebro nos
engana rotineiramente. Como raciocínios complexos gastam muita energia, nossa
tendência natural é aceitar informações confortáveis, mesmo que erradas ou incompletas.
Aqui vai minha recomendação: sejamos mais céticos,
principalmente com informações que corroboram nossa visão de mundo.
Aqui vai uma aplicação simples. Propus uma solução para
a crise de refugiados na Europa usando o Brasil como intermediário, já que
nosso histórico de integração é muito melhor que o da Turquia, para quem as
autoridades europeias pagaram mais de € 6 bilhões (R$ 26 bilhões) para barrar
refugiados vindos de Iêmen e Síria.
Claro que o tema é espinhoso. Mas propor uma solução não
é ressaltar os benefícios, mas sim detalhar os custos, inclusive estimando a
probabilidade de o plano dar errado. A política pública correta é aquela na
qual a sociedade encara os custos e os riscos de frente, sendo muito mais
rigorosa na sua análise do que nos potenciais benefícios.
Infelizmente, o que mais vemos no Brasil é o salvador da
pátria da vez prometendo mundos e fundos, sem tocar nos possíveis custos ou
riscos das suas propostas. É mais importante desconfiar da informação que
parece muito boa para ser verdade do que tentar afundar o argumento do outro
lado do espectro político.
Fake news se espalham porque aquele exemplo que faz seu
cérebro tilintar de prazer é repassado sem o devido escrutínio. O ceticismo é a
única forma de nos mantermos intelectualmente honestos. Duvide, duvide sempre,
mas principalmente daqueles com quem você concorda.
Rodrigo Zeidan - professor da New York University Shangai (China) e da
Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
Fonte: coluna jornal FSP