Tornaram-se muito populares,
nos anos recentes, vídeos que mostram sessões de exorcismo e supostas curas de
males produzidos pelo demônio. Também tem causado muita repercussão
manifestações polêmicas do papa Francisco, que se expressa publicamente sobre temas
em voga na mídia, como as relações homoafetivas, educação infantil e uso de
drogas. Da mesma forma, ganham espaço na imprensa manobras de parlamentares
brasileiros tentando impor uma agenda religiosa sobre questões de Estado. No
entanto, não estamos falando de religião.
Temos
tratado, neste Observatório, do efeito
crescente da mídia sobre a sociedade, especialmente na expansão exponencial da
cultura de massa, impulsionada pelas tecnologias digitais de comunicação, e de
como esse efeito se dá pela construção de simulacros.
O propósito é refletir sobre
as consequências de se vivenciar a cópia em vez da vida real, e de observar
como grandes contingentes de cidadãos podem ser levados a tomar atitudes
contrárias a seus próprios interesses por causa dessa distorção.
Uma busca na internet em
torno do nome do papa vai mostrar uma coleção de frases de grande apelo
midiático, algumas beirando ideias progressistas, outras repetindo o espírito
conservador da Igreja Católica. De vez em quando, ele experimenta uma polêmica,
como quando tratou de planejamento familiar, mas em geral suas afirmações tomam
o caminho fácil do lugar comum. E o lugar comum é um terreno pantanoso nesta
contemporaneidade movida a mudanças.
Por outro lado, no território
da mídia nacional, chama atenção a proliferação de eventos televisivos que têm
como atração principal a figura do demônio. Explica-se: nos últimos cinco anos,
duas das principais organizações chamadas neopentecostais vêm disputando a
hegemonia no setor que os estudiosos chamam de “evangelho da prosperidade”, no
qual o fiel busca não apenas a salvação de sua alma, mas principalmente um
negócio com a divindade que lhe garanta o bem-estar material imediato.
O que esses episódios têm em
comum é que nem os líderes das seitas chamadas de neopentecostais, nem o papa,
estão praticando religião quando usam a mídia. Estão apenas construindo a
imagem que vai posicioná-los nesse contexto mercadológico.
O
negócio do diabo
O terreno do sagrado tem
outras dimensões e, para a prática dos crentes, precisa apenas de fé e
doutrina. As manifestações periféricas, como a cena de um papa chutando uma
bola ou de um pastor, profeta, apóstolo (ou como queira ser chamado o líder da
congregação), sacudindo o diabo para fora do corpo de alguém, são ações típicas
de relações públicas.
No
caso de Satanás, o filósofo Vilém Flusser já tratou de desmoralizá-lo
publicamente, em sua biografia (não autorizada) intitulada A
história do diabo. O personagem que frequenta templos da Igreja
Universal do Reino de Deus, da Igreja Mundial do Poder de Deus e outras
denominações semelhantes, é um simulacro do ser mítico que habita ainda hoje os
temores mais recônditos do ser humano. Trata-se de um personagem de circo.
Aquilo que a mídia muitas
vezes chama de religião nada mais é do que a encenação de um compromisso de
negócio cuja principal característica é a monetização da salvação da alma que,
para ser concretizada, necessita de um processo de securitização, no qual o
risco permanente e cotidiano é a ameaça do demônio.
O pagamento do dízimo é o
sinal que o crente dá para a aquisição do produto-salvação, que vem com o
benefício da prosperidade. Mas esse patrimônio precisa ser protegido pelo
seguro contra todas as tentações que possam afastar o fiel desse comércio.
A
mulher que se celebrizou no Youtube (ver aqui) por declarar que seu intestino passou a funcionar por causa do
“travesseirinho santo” do líder da Igreja Mundial, estava testemunhando o
cumprimento desse contrato: o anjo caído havia dado um nó em suas tripas, e
bastou comparecer ao culto, adquirir a pequena almofada azul e amarrá-la na
cintura para desobstruir seu fluxo intestinal. Têm o mesmo sentido as sessões
em que homossexuais são “curados”, numa repetição constante de um espetáculo no
qual o demônio é a atração principal.
Qual é o problema? Nenhum, a
não ser o fato de que não se trata de religião. Trata-se de um negócio que
ocupa canais públicos de rádio e televisão, enquanto as emissoras educativas
vivem às moscas e emissoras comunitárias são caçadas como piratas.
Luciano Martins Costa - Jornalista e escritor,
autor, é produtor e apresentador do programa Observatório da Imprensa.
Fonte: site Observatório da Imprensa