Vejo meu armário e penso: por que
comprei tudo isso?
De que eu de fato preciso?
Muita
gente me fala que, passada a pandemia, todo esse papo de
transformações profundas vai desmanchar no ar. Eu não acho.
Florença,
depois da Peste Negra, mudou a arquitetura, a cultura, a economia, a mentalidade
das pessoas. A vida foi valorizada, e tempos depois nasceu ali o Renascimento
humanista.
Nunca
houve uma pandemia tão intensa e politizada como esta. Ela forma diariamente um
caldo de cultura perfeito para indignações, reivindicações e reflexões. Empresas
e organizações sociais e políticas serão extremamente cobradas e afetadas. As
que não compreenderem este momento terão muita dificuldade em manter sua
posição e avançar.
O
mundo é da visão estratégica. Minha empresa hoje se dedica à coordenação de
estratégias. Não adianta ter a melhor publicidade, as melhores relações
públicas, o melhor produto, o melhor modelo de negócios. É preciso coordenar
tudo porque a tecnologia do contato liga tudo com tudo o tempo todo.
O mundo vai se reconectar com a discussão do propósito, que já estava no ar,
mas muitas vezes de forma
leviana e superficial.
Esse
bailado com a morte, que estamos vivendo, terá efeitos duradouros. Todos os
dias tomamos atitudes de vida e morte. Como você recebe o delivery, como toma o
elevador, se você lava ou não lava a mão, se você usa a máscara... (Use a máscara! Lave a
mão!) Isso nos faz refletir o tempo todo.
Teremos
repactuações em vários níveis, inclusive no global. O vírus mostrou os limites
das fronteiras. Os países não caminham sozinhos. A China, com todo o respeito,
não poderá tomar algumas decisões sozinhas. Os mercados de animais vivos
chineses, por exemplo, poderão seguir existindo depois dessas mortes todas? A
OMS, reformada e vitaminada, precisa ganhar efetividade.
No
nível pessoal, as repactuações serão imensas. Eu vejo meu armário e penso: por
que comprei tudo isso? De que eu de fato preciso? Não era eu que estava
consumindo aquelas coisas, mas aquelas coisas que estavam me consumindo.
É
preciso uma nova discussão social. Pacto entre países, pacto entre pessoas,
pacto entre gerações. Estamos diante de transformações profundas viralizadas
por um vírus mortal.
As
pessoas que não fizerem essa reflexão ficarão para trás. As empresas que não
fizerem essa reflexão correm o risco de quebrar ou perder relevância. Os
partidos que não fizerem essa reflexão vão sumir e serão substituídos por
outros.
Tudo
isso são opiniões, claro, e a chance de estarem erradas não é pequena. Como
vimos, a vida e o tempo são muito mais interessantes e imprevisíveis que a
nossa imaginação. Uma coisa é certa: precisamos nos preparar para as
complexidades do futuro.
O
futuro não vai ficar em cima do muro porque o muro vai cair. As decisões terão
de ser contundentes. As organizações mundiais terão de trabalhar para o mundo,
e não para si.
O
mundo hoje é 5G, e as organizações políticas e sociais democráticas são
analógicas. As ditaduras nesse sentido conseguem tomar decisões muito mais
rapidamente e em linha com a velocidade do mundo.
Mas
nada é melhor do que a indispensável democracia. Então precisamos ter uma
discussão sobre a velocidade dos processos na democracia. O Congresso está se
reunindo remotamente, inclusive nos
fins de semana. Antes, na quinta-feira, esvaziava. É a necessidade abrindo o
caminho.
Estamos
preparados para o futuro? Já estivemos algum dia? Essa trágica pandemia é muito
forte também para levantar questões. E levantar questões é o que vem antes de
encontrar respostas.
Nizan Guanaes - empreendedor, criador da N Ideias.
Fonte: coluna jornal FSP