O truque
já apareceu até em anúncios de carro: é só colocar seu bebê no assento infantil
no banco de trás, sair com o carro, e antes de chegar à esquina mesmo o
pimpolho mais relutante estará adormecido. Com meus dois filhos, funcionava
sempre. De onde vem o efeito soporífero mágico do banco de trás?
Do
enjoo nascente, segundo a neurociência. Enquanto o cérebro não amadurece o
suficiente para deflagrar uma resposta completa de náusea e vômito às
informações sensoriais conflitantes dentro de um carro em movimento, os pais
têm cerca de dois anos para se beneficiar da sonolência que antecede a náusea.
Eu
explico. Tenho passado boa parte dos meus dias lendo assuntos variados para o
novo curso de neuroanatomia que comecei a lecionar na Vanderbilt, e calhei de
estar a bordo de um avião taxiando na pista quando revi o circuito responsável
pelo enjoo.
O texto
explicava que náusea e vômito correspondem a graus progressivos de ativação de
uma estrutura no tronco cerebral de nome floreado, o núcleo do trato solitário,
que recebe sinais dos órgãos internos do corpo. Alterações variadas no
estômago, por exemplo por causa de toxinas, causam o enjoo, prenúncio do vômito
que vem logo a seguir, e expele o que causou mal.
Ocorre
que o núcleo do trato solitário também é ativado quando há informações
sensoriais conflitantes, que o cérebro não sabe prever ou explicar. Carros e
aviões fazem o mundo deslizar para os lados de um modo que jamais acontece
sobre nossas próprias pernas, sobretudo quando movemos a cabeça ao mesmo tempo.
Talvez porque combinações inexplicáveis de sensações também aconteçam quando
estamos intoxicados, o núcleo do trato solitário entra em ação e começa a
preparar o esvaziamento do estômago.
Mas
antes de chegar ao ponto do enjoo pré-vômito, dizia o texto, a primeira
alteração é... sonolência, causada provavelmente por ativação parassimpática
maciça, uma das várias funções do núcleo solitário. Li esse parágrafo e
adormeci antes mesmo da decolagem, tal qual um bebê em seu assento no carro. E
a ficha caiu.
O
sistema parassimpático é aquele que relaxa o corpo e, entre outras coisas,
promove a digestão. Pelo jeito, a ativação parassimpática é o "nível
um" da resposta do cérebro ao problema - e se ela não basta, a náusea vem,
e culmina em vômito, o que finalmente resolve a situação.
Pena
que lá pelos dois anos de idade, o cerebelo já amadureceu o suficiente para
fazer as informações conflitantes do carro causarem bem mais do que só
sonolência, e a mágica acaba: o carro deixa de ser máquina de ninar, e passa a
ser máquina de enjoar. Pais, aproveitem enquanto o enjoo não vem.
Suzana Herculano-Houzel -
neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de
Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com