Proibição do celular na escola
marca uma virada geracional
Uso de telas na
infância é mais questionado, enquanto geração Beta será a primeira a crescer
com a inteligência artificial
Fui jantar com um casal de amigos e sua filha de 18
meses. Reparei que a menina era diferente. Ela olhava os adultos nos olhos.
Prestava atenção no que estava sendo falado na mesa. Tinha uma presença rara
para a idade e para os tempos em que vivemos.
Perguntei o que tinham feito na educação dela. A resposta era o que
esperava: zero telas. Nada de celular, tablets. Nada também de vídeos para
acalmar.
Em vez disso, convivência com adultos e com o cotidiano da casa,
interação real e atenção dos pais.
A menina era um contraste gritante do que é comum
ver em espaços públicos e nas casas: crianças hipnotizadas, isoladas da
realidade em mundos digitais, enquanto os adultos aproveitam o tempo
"ganho" para fazer o mesmo.
Notei na hora que presenciava ali uma mudança. É
claro que uma criança sozinha não representa o fim de uma era.
Mas o ponto de
inflexão existe e pode ser visto em outro lugar. O Brasil acabou de proibir por meio de lei o uso de celular
e dispositivos digitais em todas as escolas. A mudança foi
impulsionada pela abrangente pesquisa divulgada no livro "Geração
Ansiosa", de Jonathan Haidt.
O que vamos ver a partir de agora é a primeira
geração de crianças que vão crescer em um mundo em que o uso de telas na
infância passou a ser ativamente questionado.
Esse para mim é o principal marco
da passagem da geração Alpha (nascidos de 2010 a 2024) para a geração Beta
(nascidos a partir de 2025).
A geração Alpha é aquela que cresceu 100% imersa no
celular. Os pais dessa geração não tinham o conhecimento nem o consenso (ainda
que parcial) que se formou hoje sobre a influência negativa das telas.
Por exemplo, no
desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças.
Antes havia indícios. A Associação de Pediatria dos
EUA alertava que telas prejudicavam o desenvolvimento dos bebês e das crianças
pequenas em ler o rosto dos adultos.
Isso levava a dificuldades na compreensão
de emoções, desenvolvimento da linguagem e construção
de vínculos sociais. Mas essas informações eram isoladas e não tinham força de
mudar comportamentos.
Já os integrantes da geração Beta, chegam ao mundo
em meio a uma reação coletiva contra tudo isso, materializada inclusive em lei.
Os pais dessa nova geração têm hoje a pulga atrás da orelha, não foram pegos
desprevenidos como na geração anterior.
Paradoxalmente a geração Beta será também a
primeira a crescer com a inteligência artificial. O impacto disso é
imprevisível. Mas uma coisa é certa.
A inteligência artificial requer
justamente o reforço das habilidades linguísticas humanas: clareza na comunicação,
pensamento crítico, leitura de contexto e capacidade de formular perguntas
relevantes.
O desafio que a IA traz é que as crianças
precisarão desenvolver mais do que a capacidade de consumir conteúdo.
Elas
precisarão saber se expressar, argumentar, compreender nuances e questionar. Se
a geração Alpha foi moldada pelos algoritmos, a geração Beta será definida pela
capacidade de resistir a eles.
RONALDO
LEMOS -
advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro