A dor da perda é maior que o prazer de
ganhar; aversão a perdas explica a escolha de muitos investidores.
Recentemente
escrevi sobre a decisão de comprar imóveis para alugar ou investir em
aplicações financeiras que oferecem, em média, rendimento superior à
proporcionada por aluguéis ao longo do tempo.
Os
dois artigos, em contraponto, apresentaram argumentos favoráveis a uma e outra
opção, comprar ou alugar imóveis, provocando a reflexão do investidor,
ressaltando o custo de oportunidade representado pela elevada taxa de juros
oferecida pelo mercado.
Eliana
me escreveu para dizer que a taxa de juros usada no exemplo não era real (acima
da inflação) e que o capital investido perderia com a inflação ao longo do
tempo. Reconheci legitimo o argumento e expliquei que me permiti utilizar um
exemplo com juros nominais para efeito de comparação com a renda dos aluguéis,
também nominal. Ambos sofrem impacto da inflação e reduzem o rendimento real do
investidor.
Leandro
enviou mensagem lembrando que a maioria das aplicações financeiras está sujeita
ao pagamento de Imposto de Renda. Verdade, mas vale dizer que a renda de
aluguéis também paga imposto. O investidor recolhe carnê-leão mensalmente e
soma a renda dos aluguéis aos rendimentos tributáveis na declaração de ajuste
anual, pagando imposto de até 27,5%.
Rafael
lembrou que a renda do investidor em imóveis pode aumentar com o ganho de
capital obtido na venda do imóvel. Verdade mais uma vez. Mas vale lembrar que o
ganho de capital –diferença positiva entre o preço de venda e de compra– é
incerto e talvez insuficiente para compensar a renda reduzida dos aluguéis
durante o período de posse do imóvel.
Finalmente
recebo a mensagem de Inês que admite abrir mão de uma renda maior por temer um
novo confisco. Reveladora a mensagem de Inês. Aversão a perda explica a escolha
de Inês e a de muitos investidores que preferem a segurança do investimento em
imóveis, segundo a percepção desses investidores, em detrimento das aplicações
financeiras.
Os
estudos desenvolvidos pelos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky foram
decisivos para nossa compreensão de que a decisão dos investidores não é
racional e sofre influência de uma série de comportamentos enviesados, muitos
deles inconscientes.
O
ser humano não suporta perder. A dor da perda supera o prazer do ganho. Aversão
a perdas é um viés comportamental, um dos muitos estudados pela psicologia
econômica, que auxilia na compreensão da escolha de Inês. A perspectiva da
perda, representada pelo confisco dos recursos aplica- dos no mercado
financeiro, remete à escolha de opção mais segura, pouco importando o nível de
retorno oferecido.
O
infeliz e desastroso confisco de 1990, uma tentativa frustrada do governo de
controlar a inflação, bloqueou por meses o acesso dos cidadãos ao dinheiro depositado
em instituições financeiras, incluindo conta-corrente e conta-poupança, além de
outras modalidades de investimento financeiro da época. Como a inflação
persistiu, tendo sido controlada somente em 1994 com o Plano Real, as perdas
sobre o capital bloqueado foram enormes.
O
Plano Collor, como acabou sendo conhecido, deixou marcas profundas. A principal
perda, muito mais significativa do que a financeira, foi a perda de confiança
nos ativos financeiros. Para pessoas que, como Inês, temem um novo confisco, a
possibilidade de ganhar mais se anula diante da perspectiva, mesmo que remota,
de perder.
Argumentos
racionais não têm peso e significado suficientes para influenciar a decisão.
Possíveis ganhos financeiros não compensam a desconfiança e intranquilidade
desses investidores; o medo e a aversão a perdas falam mais alto.
Marcia Dessen - planejadora financeira
pessoal, diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de
Profissionais Financeiros) e autora do livro "Finanças Pessoais: o que
fazer com meu dinheiro" (Trevisan Editora, 2014). Escreve às segundas
nesta coluna.
Fonte:
coluna no jornal FSP