Sonhar
pode moldar o comportamento de uma pessoa em relação a um medo ou emoção
A
importância dos sonhos para a construção da cultura e da religião humanas, para
o aprendizado e para a vida cotidiana. Esse foi o tema da mesa “A Ciência
dos Sonhos”, no Festival Gabo, em Medellín (Colômbia), no qual debateram
Fernanda Diamant, editora de ciência da revista
Quatro Cinco Um e curadora da Flip (Festa Literária
Internacional de Paraty), e o neurocientista Sidarta Ribeiro, autor
do livro “O Oráculo da Noite” (Companhia das Letras).
Para
Ribeiro, “nós não
podemos ir contra algo que é parte de nossa cultura ancestral. Desde que existe
escrita e história, os sonhos foram tidos como reveladores. Os antigos
acreditavam e os indígenas de hoje acreditam que os sonhos podem conter
verdades. Mas, em algum momento, nós abandonamos os sonhos. Nossa
incapacidade de nos lembrar dos nossos sonhos é algo sintomático da nossa
falta de perspectivas”.
Sidarta Ribeiro, durante a Flip 2019, em Paraty, no
estado do Rio de Janeiro –
Segundo
os participantes da mesa, hoje os trabalhos de Sigmund Freud e Carl Jung sobre
os sonhos vêm sendo corroborados pela ciência.
O neurocientista explicou
que existem de quatro a cinco ciclos de sono e que há uma diferença entre
o que se sonha durante a fase de ondas lentas, quando predominam as preocupações
da vigília, e o momento chamado de REM (rapid eye movement). “Durante o
sono REM, temos o sonho típico, que reativa memórias, mas não de modo
aleatório. Elas seguem a direção oferecida por um sistema de busca pela
recompensa e fuga da punição.”
Ribeiro
usou o exemplo do impacto da história recente da Colômbia nas pessoas que
sofreram os efeitos da guerra entre Estado e guerrilhas. “Quando uma pessoa
passa por um estresse pós-traumático,
como a guerra colombiana, toda vez que essa pessoa relaxa, ela evoca o trauma,
e uma das consequências disso é o pesadelo repetido.”
Indagado
sobre a possibilidade de sonhos preverem o futuro, Ribeiro afirmou que, durante
o sono, as memórias e os perigos do passado “podem produzir a projeção de um
futuro possível” e, então, determinar o comportamento de uma pessoa em
relação a um medo ou emoção que sentiu antes.
Houve,
também, críticas ao governo brasileiro e a seu comportamento com relação ao desmatamento da Amazônia.
“Estamos vivendo um período de obscurantismo no Brasil, quando temos um
presidente que é contra a ciência e a cultura”, disse Ribeiro.
Questionado
sobre a importância dos sonhos com pessoas que já morreram, o cientista disse
que “foi a saudades dos mortos que nos permitiu engrenar essa máquina de
produzir cultura”. E exemplificou com a criação da religião.
“O
impacto de um sonho que mexe com a vida e com a morte pode durar dias ou até
anos para uma pessoa. Quando se compartilha a experiência de sonhar com alguém
que já morreu, ao fazer conjecturas sobre onde podem estar nossos antepassados,
o ser humano fez nascerem os deuses.”
Apesar
de ser um cientista, Ribeiro diz ser um crítico da ciência. “Os cientistas
erram, com seu ateísmo, ao recusar a existência da religião, que é tão
importante para muita gente.”
Fonte:
jornal FSP