Um
problema matemático resolvido, outro sem solução e uma palestra podem mudar
tudo
Foi minha primeira viagem a trabalho. Do Porto, onde
acabara a graduação, a Paris, para visitar o matemático Adrien Doaudy. Na
chegada, a polícia exigiu meu visto: brasileiros precisavam, na época, mas
ninguém tinha me dito. Filho de portugueses, nascido no Brasil, eu vivia desde
os 3 meses em Portugal —sentia-me português.
Professor de matemática desenha formas em lousa
Percebi algo errado quando a mulher da imigração
consultou baixinho o colega: “Será que ele é perigoso?”. Na polícia, tomei
coragem para perguntar o que estava havendo. “A França é uma mãe, aceita
qualquer m…, mas há limites, monsieur”, foi a resposta, esclarecedora. Retido
no aeroporto, fiquei amigo de um traficante de maconha do Marrocos. Quando a
polícia veio para me expulsar, o marroquino intercedeu: “Deixa o garoto, ele é
gente boa, não fez nada errado!”. Foi o pior momento.
Aterrissei em Portugal determinado a regressar. Comprei
outra passagem, pedi visto no consulado francês, e dias depois estava de volta.
Desta vez, deu certo e passei uma semana aprendendo matemática e conhecendo
Paris. Isso fez tudo valer a pena.
Doaudy propôs dois problemas para eu trabalhar. Nos
meses seguintes resolvi um (o outro continua sem solução). Meu orientador de
graduação sugeriu que fizesse uma palestra sobre esse trabalho numa conferência
na Universidade de Coimbra. Inscrição de última hora, a palestra ficou para
sexta-feira às 20h. Respirei aliviado: nesse horário certamente ninguém iria!
Mas o astro da conferência, o matemático Jacob Palis, do renomado Impa do Rio
de Janeiro, decidiu assistir. O interesse dele atraiu outros e na hora a sala
estava cheia! Nunca mais fiquei nervoso como nesse dia.
Ao
final, Jacob me propôs fazer o doutorado no Impa. Alguns meses depois, eu
estava aqui. Boa parte do que aconteceu nas três décadas seguintes pode ter
sido mera consequência.
Marcelo
Viana - matemático e diretor-geral do
Impa, é ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.
Fonte:
coluna jornal FSP