Pessoas que mantêm programas de 12 passos
questionam o uso de medicamentos por Mark Willenbring para combater o abuso de
drogas (Alex Potter para The New York Times).
O psiquiatra Mark Willenbring
recebeu o web designer em seu consultório com um firme aperto de mão. O rapaz,
de 29 anos, se deixou cair na cadeira e começou a despejar seu longo rol de
problemas.
Viciado em heroína, ele já tinha tentado mais de 20 programas de
reabilitação tradicionais, baseados em fé e abstinência. Em 2009, um irmão dele
morreu de overdose de OxyContin. No ano passado, ele próprio tinha tentado o
suicídio, engolindo comprimidos de Xanax. Quando acordou, injetou-se uma
overdose de heroína.
Num campo de treinamento para adolescentes problemáticos, contou
o designer, ele foi espancado e lhe negaram comida. O rapaz parou de falar, com
lágrimas no rosto. “Soa como um campo de prisioneiros”, disse Willenbring em
voz suave.
Ele começou a explicar a neurociência da dependência de álcool e
drogas, 60% da qual, falou, pode ser atribuída a fatores genéticos. Ouvindo
atentamente, o paciente pareceu se sentir aliviado. Talvez fosse uma explicação
para o fracasso de suas tentativas anteriores de reabilitação.
Willenbring, 66, já repetiu essa explicação centenas de
vezes. Não é algo que os pacientes geralmente ouvem em centros de tratamento. A
maioria dos programas de reabilitação segue os princípios do programa de 12
passos dos Alcoólicos Anônimos, criado há 80 anos, e dos Narcóticos Anônimos. É
dito aos dependentes químicos que eles têm um defeito moral e espiritual, que
precisam se abster de álcool e drogas e se render a um poder superior.
Willenbring crê que essa abordagem ignora as pesquisas mais
recentes. Entre 2004 e 2009, ele foi o diretor de pesquisas sobre tratamentos
do Instituto Nacional americano de Abuso de Álcool e Alcoolismo, onde
supervisionou dezenas de estudos comprovando a eficácia de novos medicamentos e
de novas terapias no tratamento do alcoolismo.
Ele ficou frustrado por as instituições tradicionais de
reabilitação não aproveitarem as descobertas. “Os fatos mudaram, mas a cabeça
das pessoas não”, disse Willenbring. “Quando publicamos estudos, ninguém no
comando desses centros os lê. Se os estudos contrariam aquilo que eles já
sabem, eles os desprezam.”
Assim, em 2009, após cinco anos em Washington, Willenbring
voltou ao seu Estado natal, Minnesota, e abriu a clínica particular Alltyr, que
trata pessoas com problemas com álcool e drogas, sem internações.
Em sua clínica, a dependência é vista como uma condição médica
crônica. Depois de fazer uma avaliação inicial, Willenbring pode diagnosticar
diversos transtornos psicológicos e de abuso de substâncias. Os planos de
tratamento propostos podem envolver antidepressivos; medicamentos para
ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e dor crônica;
medicamentos contra recaídas, psicoterapia e treinamento familiar. Os pacientes
podem ir à clínica apenas uma vez ou podem ser tratados por anos.
Segundo o governo, apenas 10% das pessoas com transtornos
ligados ao consumo de álcool e drogas chegam a procurar tratamento. Muitas
pessoas que precisam de tratamento acham que a única opção para sua recuperação
é a internação numa clínica de reabilitação, que pode custar US$ 50 mil por
mês.
Em vez de uma confissão espiritual, Willenbring recorre a vários
tipos de terapia comportamental para ajudar os pacientes a identificar os
gatilhos que os levam aos comportamentos de risco. Os terapeutas tentam ajudar
os clientes a entender por que bebem ou consomem drogas e a reconhecer e evitar
as situações de alto risco.
Willenbring prescreve medicamentos para reduzir o desejo de
álcool, além de Suboxone para eliminar o desejo por opiáceos e bloquear a
euforia que provocam. E ele ensina os familiares a apoiar seus entes queridos
com compaixão e gentileza. O primeiro ano de tratamento custa em torno de US$
2.600.
A maioria dos 500 pacientes da Alltyr apresenta alcoolismo leve
a moderado. Mas alguns já percorreram um longo caminho. “Não quero que ninguém
tenha que passar por o que eu passei”, disse Joe Karkoska, 32, cuidador de
idosos. Ele contou que tentou dez clínicas de reabilitação antes de ir a
Alltyr.
O fato de Willenbring receitar medicamentos para pacientes que
querem se livrar da dependências é repudiado por muitas pessoas que trabalham
com programas tradicionais de recuperação. Especialistas dizem que a maioria
dos pacientes dependentes de heroína ou analgésicos não recebe metadona ou
Suboxone, apesar das evidências da eficácia destes.
O uso de longo prazo de opiáceos pode barrar o mecanismo que o
cérebro possui para produzir suas próprias substâncias químicas que combatem a
dor, disse Willenbring.
Sem remédios para tomar seu lugar, muitos usuários sofrem
desconforto. Na reabilitação baseada na abstinência, os usuários são
desintoxicados e perdem a tolerância a drogas, segundo ele —mas não perdem o
desejo delas. “Então o que fazem quando saem da clínica? Eles usam a mesma
quantidade que antes e morrem de overdose.”
John Johnson é orientador do centro de tratamento Serenity Lane,
no Oregon. Ele diz que medicamentos como Suboxone podem ajudar a prevenir
overdoses, mas não tratam a causa fundamental de dependência. “Substituir uma
droga por outra é uma solução externa para um problema interno”, disse.
Mas o Suboxone vem ajudando muitos pacientes de Willenbring a
fazer exatamente isso. Karkoska, por exemplo, começou a apresentar ansiedade
social aguda quando estava na escola. Ele descobriu os opiáceos quando era
jovem, e eles o ajudaram a perder seus medos.
Mas as instruções que recebeu na clínica de reabilitação —seguir
o programa de 12 passos e telefonar a seu padrinho— não ajudavam a aliviar o
pânico que ele voltou a sentir sempre que parava de se injetar com heroína. Um
médico prescreveu doses altas do ansiolítico clonazepam, que o ajudou um pouco.
Desde que começou a tomar Suboxone, Karkoska está sendo atendido
por um terapeuta da Alltyr, aprendendo exercícios respiratórios e técnicas
cognitivo-comportamentais que ajudam a identificar e modificar crenças
prejudiciais. Isso o vem ajudando a reduzir as doses de clonazepam. Ele disse:
“Virei parte de minha comunidade”.
Um aspecto controverso da abordagem de Willenbring é a
tolerância do consumo casual de drogas como maconha e álcool. David Sack,
psiquiatra e presidente da Elements, rede californiana de centros de
tratamento, disse que essas drogas podem reduzir a eficácia do tratamento com
Suboxone.
“As pessoas desfrutam a vida mais plenamente quando consomem o
mínimo de substâncias”, disse. “Por que não maximizar esse potencial?” Sack diz
ser a favor do uso de Suboxone e metadona, mas que o êxito dessas substâncias é
superestimado.
Para Willenbring, o tratamento da dependência está se
aproximando da corrente majoritária da medicina. “Antes do Prozac, ninguém
pensava que uma pessoa com depressão pudesse melhorar fora de um hospital
psiquiátrico. Mas isso também deixou de ser verdade.”
Grabielle Glaser –
jornalista, escritora nas áreas de Dependência e Saúde Mental
Fonte: The New York Times