Investir em ciência não é para corruptos


Se você quer um país soberano, então vote de acordo.

Usando meu chapéu de agitadora político-científica de plantão, que já usei recentemente para lembrar aos jovens doutorandos que se existe ou não ciência no Brasil está nas mãos deles, os pesquisadores de fato que movem o conhecimento.

Aproveito para estender o argumento anterior aos pais dos ditos jovens —porque, ao financiar o custo de vida de seus filhos pesquisadores, são os pais dos jovens brasileiros que ainda insistem em fazer ciência no Brasil que bancam a pouca ciência que ainda existe no país. Para quem enviar a conta?

Para o governo, óbvio. Ciência é o processo sistemático de busca de conhecimento, e conhecimento é o que nós acumulamos ao longo de nossas vidas individuais, mas temos a sorte de viver tempo suficiente que dá para transmitir o que aprendemos de uma geração para a seguinte, de modo que não é preciso reinventar a roda cada vez que uma viria a calhar.

Conhecimento acumulado através de gerações é o que chamamos de cultura; conhecimento que ainda por cima resolve problemas mais rapidamente, deixando mais tempo livre para outros assuntos, incluindo problemas cada vez mais complexos, é o que chamamos de tecnologia

E assim como a cultura define uma nação, a tecnologia torna uma nação soberana. Donde: a conta, digo, o investimento cabe ao governo, financiado pelos impostos recolhidos.

O problema é que investir em ciência não enche os bolsos de nenhum político. 

Salvo quando aplicadíssima, feita a jato às custas de muito dinheiro para tirar o mundo de uma pandemia (e ainda assim só porque as farmacêuticas contavam, acertadamente, com isso para entupir os cofres), ciência não dá retorno financeiro imediato. 

Ciência é investimento de longo prazo. 

Construir capacidade científica em um país requer a compreensão de que o processo, tanto do lado humano quanto dos lados de infraestrutura e tecnologia, leva gerações, e começa com pesquisa básica. 

Não se cura uma virose sem primeiro entender como um vírus funciona.

Por isso, marqueteiro que se preza não dirá jamais ao seu empregador para investir em ciência, ou fazer dela sua plataforma política: quem colherá o retorno do investimento serão as gerações seguintes, tarde demais para o político se eleger ou se reeleger. 

Sobretudo, políticos corruptos não têm razão para se interessar por investir na construção da capacidade científica de um país.

Corrupção é, por definição, a adulteração de um processo para fins de ganho próprio, e corruptos querem dinheiro vivo, não notas promissórias. 

O que uma nação lucra com sua soberania científica vem paulatinamente, e não cabe nos bolsos dos políticos apenas interessados em trocar favores para subir de vida no Planalto.

Investir em ciência não é coisa de político corrupto. Políticos, eis meu desafio: mostrem que não são corruptos. É só investir em reconstruir a ciência no Brasil.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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