Sucesso em inovação depende do
trabalho ombro a ombro
Estudo norueguês mostra que 50% das patentes vêm de parceiros que estão
a menos de 30km de distância.
Vivemos um momento em que há
claras indicações de interesse governamental em impulsionar uma agenda de inovação no país.
No fim de agosto, o
governo federal anunciou financiamentos de R$ 66 bilhões, através do BNDES e da
Finep, com taxa nominal de apenas 4% ao ano, acrescida do índice da taxa
referencial (TR).
São sinalizações fundamentais de
um país que já perdeu muito tempo e precisa se inserir de forma mais resoluta
na corrida global de inovação que está em curso.
Histórias de sucesso em outros
países e no nosso próprio país servem de inspiração para trilharmos com
confiança o longo caminho à frente.
Destacamos hoje duas
características importantes de iniciativas bem-sucedidas: a co-criação (criação
coletiva) e a proximidade necessária entre os parceiros em diferentes setores.
Há 20 anos, de forma muito simpática, um médico pneumologista
perguntou a um de nós, num corredor de hospital, se era possível fazer um
aparelho como o do Dr. McCoy, personagem da série de ficção científica
"Star Trek", que usava um scanner para fazer diagnósticos de seus
pacientes de forma não invasiva.
Explicou que o tratamento da
síndrome de angústia respiratória aguda requeria uma manobra protetiva do
pulmão que consistia em elevar e depois controlar a menor pressão na fase de
expiração, de modo suficiente para recrutar alvéolos, mas sem causar dano por
excesso de distensão.
Ao perguntar o que ele tinha em
mente, ele descreveu um equipamento originado no Imperial College de Londres,
que lhe tinha sido apresentado.
Sucintamente, através de uma cinta com
eletrodos em contato com a pele, uma baixíssima corrente elétrica era injetada
no tórax e isso modificava o potencial elétrico na pele, também medido.
Na engenharia, tratava-se de um
problema de estimação de parâmetros e o caminho teórico foi imaginado. Começou
assim um processo de inovação em ambiente de co-criação.
Esse processo
continuou por décadas, muito em função do elevado nível de confiança existente
entre todos os protagonistas, de pesquisa, de desenvolvimento e do meio
empresarial.
Deve-se reportar também o papel das agências de financiamento de
pesquisa, Fapesp e Finep.
Essa pesquisa acabou se tornando uma empresa que hoje
exporta tecnologia brasileira de ponta para
muitas regiões do mundo.
Esse é o arquétipo de co-criação
que nos vem à mente sempre que estudamos caminhos da inovação.
O mesmo fenômeno
se repetiu durante o desenvolvimento do ventilador pulmonar Inspire. Dessa vez,
o diálogo de ignição ocorreu dentro da própria Escola Politécnica da USP.
Em estudo realizado há alguns
anos, por encomenda do Ministério de Ciência da Noruega, pesquisadores notaram
que, entre mais de uma dezena de formas de transferir conhecimento entre
academia e o restante da sociedade, a forma mais eficiente é a co-criação.
Trata-se de convívio, de confiança tão elevada que não se teme que algum
parceiro de criação possa esbulhar conhecimento.
Essas condições requerem
infraestrutura, financiamento, ambiente cultural incentivador e recursos
humanos com habilidades diversas.
Também não devemos esquecer que o ambiente
legal, principalmente aquele que protege e incentiva a transferência de
conhecimento, deve oferecer inequívoca segurança.
Uma faceta desse fenômeno da
inovação em ambiente de co-criação, que também é reportada com sólida base
estatística no estudo norueguês, é que cerca de 50% das patentes são
registradas entre parceiros que trabalham a menos de 30km de distância entre
si.
Talvez esse fato seja consequência da elevada confiança entre os atores que
a co-criação requer e da elevada frequência e precisão da comunicação que, por
sua vez, a confiança demanda.
Especialmente no desenvolvimento
de tecnologias sofisticadas para a resolução de problemas específicos, a
proximidade permite que testes de campo sejam realizados rapidamente e que
retornos às bancadas de laboratório para ajustes possam ocorrer em curto prazo.
O caráter local do processo de inovação em "deep tech" faz parte do
conjunto de fatores que determinam as vantagens comparativas de uma determinada
região e que servem de guia para a escolha de áreas que justificam maior ênfase
no estabelecimento de políticas públicas.
Não se pode, de forma alguma,
negligenciar a importância das relações interpessoais. A própria arquitetura de
centros de inovação mundo afora é testemunha da compreensão dessas
características, com muito uso de vidro e espaços que favorecem fluxos cruzados
e encontros de pessoas.
Também é essencial que os protagonistas nesses centros
de inovação possam confiar nos processos de transferência de tecnologia e nos
incentivos associados a essas transferências.
Ainda há muito caminho a ser
percorrido. Por exemplo, o número de publicações científicas em colaboração
entre parceiros em universidades e pesquisadores em empresas interrompeu o
ciclo de expressivo crescimento, salvo raras exceções.
A mensagem para gestores
de inovação é cristalina: o vigor, a vitalidade e a sustentabilidade de
ecossistemas saudáveis de empreendedorismo e inovação dependem de pessoas que
confiem umas nas outras e que estejam próximas para interagir.
Para sermos bem-sucedidos em
inovação, precisamos de muito trabalho ombro a ombro, reunindo parceiros
diversos.
PAULO NUSSENZVEIG - pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP,
RAÚL GONZÁLEZ LIMA - pró-reitor adjunto.