Se a inteligência artificial pode prever a morte, como fica o seguro de
vida?
A AI tem mudado a
oferta e a precificação de todos os seguros, especialmente o de pessoas. E isso
é só o começo, afirmam executivos.
Um grupo de pesquisadores de uma universidade
dinamarquesa desenvolveu um modelo chamado “calculadora da morte”, um algoritmo para prever as fases da vida
até o seu fim e que busca mostrar os riscos do uso comercial desses dados.
De
acordo com os cientistas envolvidos no estudo, as possibilidades são infinitas,
como prever resultados de saúde, a fertilidade ou a obesidade, ou talvez quem
teria ou não câncer.
O modelo é baseado em dados anônimos de milhões de
dinamarqueses, recolhidos pelo Instituto Nacional de Estatística do país
nórdico.
Aí surgiu no mercado de seguros uma pergunta que
não quer calar: se há previsibilidade da morte, como fica o seguro de vida?
As
seguradoras vão poder selecionar os clientes e encerrar contratos antes da data
alvo?
A morte natural vira um produto de cartas marcadas? Essas foram algumas
provocações que um leitor fez e fomos buscar algumas opiniões relevantes no
setor sobre o tema.
Afinal, seguro de vida representa US$ 2,8 trilhões em
vendas no mundo do total de US$ 6,7 trilhões, segundo estudo da Swiss Re.
Nuno David, diretor da MAG Seguros, uma das mais
longevas seguradoras de vida do Brasil, vive mergulhado no tema da inovação,
principalmente no que diz respeito ao seguro de pessoas.
Segundo ele, a
disponibilidade de dados que os pesquisadores se referem é muito mais fácil em
um país como a Dinamarca, que faz essa coleta dados de uma maneira continuada e
consistente.
“No entanto, temos outras frentes de pesquisa que podem mudar
dados do passado e, por isso, temos de acompanhar as tendências que alimentam e
mudam esta incrível engenharia genética”, afirma David.
Uma das teses que o executivo acompanha e tende a
acreditar é que o seguro de vida, com foco em morte natural, deve ser
incorporado ao seguro saúde, segundo apontam especialistas com os quais ele tem
contato rotineiro.
“O seguro de vida caminha para um futuro, que a gente não
sabe quando é que vai acontecer, em que o mutualismo pode desaparecer”, diz o
diretor da MAG, sócia do grupo holandês Aegon.
Mutualismo é um dos princípios básicos do seguro.
Representa a contribuição de várias pessoas, expostas aos mesmos tipos de risco
(massa de segurados), para a formação de um fundo comum, composto pela soma dos
prêmios pagos à seguradora.
Agora, o que a inteligência artificial (IA) permite
é que as seguradoras criem produtos sob medida para seus clientes.
Grosso modo, com a quantidade de dados disponíveis,
as seguradoras saberão, além de onde vive, estado civil, se tem filhos, qual
carro possui, se tem multas e nome no SPC, o que as pessoas comem, se praticam
esporte, quais remédios tomam, se fazem exames preventivos, nível de estresse,
viagens e muitos outros dados que podem determinar o estilo de vida e atenção
dada a saúde integral (física, mental e financeira).
Isso é de todo ruim? Para as pessoas que se cuidam,
não.
Diante do poder da IA, Nuno David acredita que a criação, subscrição e
precificação do seguro de pessoas será muito mais holística, com as seguradoras
olhando para dados da saúde do cliente no passado, mas com o radar no atual
comportamento.
“Já está comprovado em estudos que uma pessoa consegue mudar seu
DNA com atitudes boas ou ruins adotadas em seu dia a dia.
Os testes de DNA
ainda são para poucos, mas têm ajudado a entender como será o comportamento
futuro.
Isso será uma condicionante para se calcular o preço do seguro de vida
acidental, que deve se tornar o principal produto do ramo de pessoas num
futuro, que ainda me parece distante”, afirma o executivo da MAG.
Bernardo Correa Ribeiro, cofundador da Azos, insurtech que
oferece soluções para o seguro de vida, concorda com Nuno David.
Ele afirma que
esse tipo de análise do algoritmo criado com base nos dados dinamarqueses é um
“back test”. Pegaram vários exames antigos das pessoas, criaram um
modelo de IA e tentaram adivinhar quando a pessoa morreu.
As tecnologias,
hábitos, doenças e tratamento mudam muito com os anos. Portanto, um “back
test” que acertou casos há décadas não teria a mesma precisão para eventos
futuros.
“Sou bem cético que isso pode extinguir o produto,
mas sim personalizar o seguro de vida e deixá-lo, para alguns casos, mais
barato e, com isso, aumentando a competitividade favorecendo o cliente final.
Concordo que terão alguns casos de recusa por parte da seguradora por ter
acesso a dados e a modelos que indicarão um risco mais preciso, mas isso não
impede de ajustar no preço ou oferecer coberturas que atenderiam aquele
cliente.
Então, acredito que isso fomentará mais o mercado ao invés de
extingui-lo”, diz Ribeiro.
Rogério Araújo, sócio da TLG corretora de seguros,
especializada em seguro de pessoas, tem uma posição mais tradicional.
Ele
defende que a IA não é uma ameaça ao seguro de vida. “Acredito mais na IA nos
ajudando a despertar necessidades da sociedade, como ferramenta de educação
financeira e securitária, do que uma ameaça ao nosso negócio”, afirma.
Segundo
o corretor, mesmo sem a interferência da IA, atualmente já é claro que o que a
compra do seguro de vida não depende do dinheiro, mas sim da condição de saúde
do segurado.
“Não adianta ter o dinheiro e não ter saúde. Sem saúde, o
consumidor não consegue comprar uma apólice. Por isso a necessidade do seguro o
quanto antes, embora nunca seja tarde”, diz Araújo.
Veronica Martire, consultora educacional que vive
em Londres há mais de 20 anos, é um exemplo da mudança, que teve um empurrão da
sua seguradora de vida na Inglaterra, onde a relação com o consumidor está mais
madura do que no Brasil.
Apesar das seguradoras brasileiras
ofertarem muitos benefícios, poucos os usam. “Só de afirmar no questionário de
saúde que faço atividades físicas, ganhei descontos no seguro de vida.
A
seguradora me ofereceu facilidades na compra de um relógio que marca e estimula
exercícios e eu topei o desafio”, diz Martire.
Quanto mais faz exercícios, mais pontos ganha. “A
caminhada me ajudou a perder peso e o bem-estar me levou à natação. Se faço
check-up, ganho pontos. E posso trocar os pontos em uma rede de fornecedores
ligados a qualidade de vida. Tenho desconto, por exemplo, na compra de produtos
orgânicos.
Resultado: já perdi 12 kg em seis meses, de forma consistente,
mudando meu hábito de vida. Não me imagino mais fazendo algo que coloque meu
bem-estar em risco e, a cada renovação, meu seguro custa menos, mesmo estando um
ano mais madura”, diz.
Questionado se o setor caminha para uma seleção de
riscos, ofertando seguro apenas para pessoas saudáveis, Araújo é enfático.
“Não
vejo o risco de uma seleção que restrinja a aceitação de segurados, já que o
conceito do seguro é o mutualismo, e nossas entidades reguladoras não
aceitariam que esse princípio seja desconsiderado”, diz.
“E mesmo se
comprovando a assertividade da IA quanto a previsão da morte das pessoas, ainda
contaremos com o percentual de incerteza. E eu pagaria para me proteger da
dúvida de estar ou não entre os 22% de erro”.
Mas em três coisas todos concordam.
A primeira delas é que a IA é um grande benefício
que poderá ajudar seguradoras no desenvolvimento de produtos, diante das
inúmeras e diversas necessidades da sociedade, bem como na precificação dos
riscos de forma personalizada.
“Uma precificação mais assertiva, por exemplo,
no momento de uma entrevista de proposta de seguro de vida, em que se avalie o
perfil de vida do segurado e sua condição de saúde, permite um preço mais
adequado, com descontos ou agravos das taxas cobradas”, afirma Araújo.
A segunda é que o seguro de pessoas caminha para
ofertar benefícios em vida aos clientes, como uma indenização para o
diagnóstico de uma doença grave, como câncer, bem como incentivos para a
prática esportiva, como descontos em academias, redes de alimentação natural e
até descontos para a compra de relógios que estimulam prática que gerem
bem-estar.
E, por fim, os entrevistados entendem que o
benefício de comprar uma apólice de seguro, como risco certo, como forma de
compor ou alavancar um patrimônio, reserva para um planejamento sucessório ou
despesas de inventário, é uma ferramenta essencial em qualquer planejamento
financeiro, seja para a população de baixa renda, quebrando o ciclo de
privações financeiras das novas gerações, seja para a sociedade de alta renda,
como uma solução de inteligência financeira, alavancagem patrimonial e sucessão
empresarial.
SONHO SEGURO