Para indivíduos de uma
mesma espécie, ter um cérebro maior não é sinal de mais neurônios.
Se
neurônios são a unidade fundamental de processamento de informação no cérebro,
então cérebros com mais neurônios devem ter maior capacidade cognitiva do que
outros com menos neurônios, qualquer que seja o tamanho do cérebro.
Entre
espécies, meu laboratório mostrou que a lógica funciona bastante bem: o córtex
cerebral humano, embora não seja o maior de todos (elefantes e baleias nos
deixam no chinelo), é, de longe, o que tem o maior número de neurônios, cerca
de 16 bilhões.
Em
segundo lugar vêm gorilas, orangotangos, chimpanzés e elefantes, com 6 a 9
bilhões; seguidos das baleias, com um número estimado entre 2 e 5 bilhões de
neurônios no córtex cerebral. Todos os demais mamíferos, mesmo que dotados de
cérebros bastante grandes, não passam de 1 bilhão de neurônios corticais.
Entre
espécies, primatas como nós e os macacos à parte, quanto maior é o cérebro,
mais neurônios ele possui. Pela mesma lógica, então, indivíduos da mesma espécie
que têm cérebros maiores do que os outros também deveriam ter mais neurônios --
e, se têm mais neurônios, deveriam ter também mais capacidade cognitiva. Esta é
a lógica por trás de tentativas de associar medidas do tamanho do cérebro
humano ao desempenho cognitivo, sobretudo entre etnias, uma tradição que
remonta ao século 19.
Nosso
trabalho mais recente, contudo, indica que indivíduos dotados com os maiores
cérebros não têm necessariamente mais neurônios do que os demais. Em artigo
publicado na revista "Frontiers in Neuroanatomy", mostramos que tanto
o tamanho do cérebro quanto o número de neurônios variam cerca de 50% entre
camundongos machos da mesma idade -- mas uma coisa não tem relação com a outra.
A razão é que os animais com mais neurônios também têm neurônios menores, e,
como uma coisa praticamente cancela a outra, não sobra uma correlação
significativa entre mais neurônios e um cérebro maior.
Por
enquanto são camundongos, mas como já encontramos resultado idêntico em
codornas, é bem provável que o mesmo valha para cérebros humanos: ter um
cérebro maior não é necessariamente sinal de ter mais neurônios. Tamanho não é
documento.
Desde
que dentro da variação saudável, mais importante do que o número exato de
neurônios em um indivíduo deve ser o que se faz com eles.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora
do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed.
Sextante)