No mercado de
ações, utiliza-se a imagem do touro (em inglês, "bull") e do urso
("bear") para designar tendências. A primeira pressupõe onda
positiva, de valorização e expansão. A segunda, o oposto.
A origem
dessas expressões estaria na forma como tais animais atacam. O touro utiliza
seus chifres para jogar a vítima para cima. O urso desfere suas patadas em
movimento descendente. Em inglês, quando o mercado tenda a subir, está
"bullish"; a cair, "bearish".
Tais noções
passaram também a designar o sentimento prevalecente quanto aos rumos de uma
economia. Diz-se daquele que enxerga na Argentina boa oportunidade de investimento
—apostando na elevada performance daquele mercado ao longo do tempo– ser um
"Argentina bull". Chama-se o contrário de "Argentina bear".
Fiz há poucas
semanas em Nova York uma apresentação a alguns agentes econômicos (bancos de
investimento, seguradoras, agências de classificação de risco e empresas
industriais) sobre perspectivas do quadro político-econômico brasileiro.
Centrei meus
argumentos na tese de que, por mais improvável que possa parecer, o Brasil
dispõe —apesar de suas ruínas políticas, fiscais e morais— de considerável
chance para dar início a fase positiva de sua trajetória, sobretudo a partir do
primeiro trimestre de 2019, quando estiver investido de novo presidente com
mandato sacramentado nas urnas.
Os
pressupostos dessa perspectiva "bullish" são os de que, no cenário
internacional e no âmbito interno, observa-se confluência de fatores favoráveis
ao Brasil. Em vez da certeza da "tempestade perfeita", o Brasil pode
virar o jogo e experimentar um dia de "sol perfeito", como já indiquei
nesta coluna.
Mark Lennihan/Associated Press
A estátua do touro em Wall Street, Nova York
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Grande
liquidez internacional, apetite por investimento estrangeiro em projetos de
infraestrutura e boas perspectivas para exportações brasileiras são as
principais forças a alinharem-se positivamente no cenário externo.
Retomada do
crescimento com baixa inflação e juros, melhoria da governança em estatais como
Petrobras e Eletrobras, implementação de teto de gastos públicos ao longo do
tempo, eleição em 2018 de um líder "pró-mercado" são alguns dos
vetores a contribuir no âmbito interno.
Na
apresentação que fiz, fui saudado com ceticismo por alguns dos presentes. Gatos
escaldados pelo banho gelado que tomaram com diversas experiências passadas em
que o país também desperdiçou ventos favoráveis, tive de lidar com genuínos
"Brazil bears".
Dessa
conversa, relaciono abaixo dez pontos que constituem a essência daqueles que,
não obstante conjunturas propícias, são "pessimistas estruturais"
quanto ao Brasil.
Descrença
completa no prosseguimento das reformas estruturais
Para os "Brazil bears", o debate sobre a modernização previdenciária,
trabalhista e tributária no país só se dá pela vertiginosa proximidade com o
abismo fiscal, e não pelo entendimento de que tais atualizações são imposições
de uma sociedade e economia em constante evolução.
Baixa
participação do Brasil no comércio internacional
Embora em 2017 o Brasil bata recordes de exportações e superávit comercial,
ainda é a economia dentre os quinze maiores PIBs do mundo com o mais baixo
(apenas cerca de 20%) percentual de sua riqueza relacionada às trocas
internacionais. Baixa competitividade em setores que não o agronegócio impõe um
teto rígido a tal percentual.
China
tem tanto foco em sua vizinhança que Brasil não é prioridade
Projetos como o OBOR ("One Belt, One Road") que redesenham a
infraestrutura na Eurásia são de tamanha escala que a atenção chinesa relativa
a projetos de portos, estradas e ferrovias no Brasil seria comparativamente
pequena às necessidades brasileiras. Acrescente-se o mau humor chinês com
instabilidades jurídicas e regulatórias que tem pautado o setor de
infraestrutura no Brasil.
Corrupção
sistêmica sobreviverá à Lava Jato
Estimam que as operações de combate ao capitalismo de compadrio brasileiro são
corretivas, mas não redentoras, e que o próprio estamento político emergirá
resiliente de tentativas de aprimoramento institucional.
Centro político desidrata e país elegerá populista de um ou outro espectro
ideológico. O clima de alta polarização das forças políticas esvazia soluções
de compromisso e o centro político —onde só se conseguem visualizar candidatos
"tradicionais", de pouco apelo a um eleitorado que supostamente deseja
um "outsider" ou algo "novo".
Baixo
percentual de poupança e investimento como percentual do PIB
Mais do que apenas o resultado de uma realidade imposta pelo elevado custeio da
máquina pública ou pelo fardo tributário sobre a livre iniciativa, a propensão
"cultural" do Brasil —ao contrário de países asiáticos— para poupar e
investir no longo prazo é mínima.
Poucos
centros de ensino e pesquisa de classe internacional
O Brasil produz pouca interação empresa-escola. Suas principais universidades
apresentam pequena densidade internacional e alimentam-se majoritariamente de
orçamentos governamentais. Encontram-se ainda prisioneiras de debates como o de
se o ensino superior público deve ser pago.
Investimento
irrelevante em inovação como percentual do PIB
No limiar da Quarta Revolução Industrial é caudatário no depósito de patentes
na Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Destina pouco mais de 1% de
seu PIB a pesquisa & desenvolvimento —e mesmo nesse baixo percentual a
contribuição do investimento estatal é majoritário.
Disfuncionalidade
da estrutura dos três poderes
País tem judiciário lento e caro, legislativo fisiológico e imediatista,
executivo inchado e limitado por necessidade de coalizões em ciclos políticos
de curta duração. Essa natureza teria obviamente ojeriza à
"auto-reforma".
Saída de talentos para o exterior. Nação alguma pode projetar futuro com tanta
gente de qualidade deixando ou pensando em deixar o país.
Ao passar os
olhos pelos pontos acima, é difícil não reconhecer que os "Brazil
bears" têm motivos de sobre para o ceticismo. E é claro também ser
possível relacionar —o que farei na próxima coluna— características a apontar
que o Brasil tem muito a favor de uma trajetória ascendente.
Ainda assim,
não obstante ciclos bastante favoráveis em diferentes momentos históricos, o
Brasil tem sido um "serial killer" de oportunidades. Trabalhemos —e
torçamos— para que desta vez seja tudo diferente.
Marcos
Troyjo –
economista, diplomata e cientista social, professor adjunto na Universidade de
Columbia – NY.
Fonte:
coluna jornal FSP