Indignação geral justificada com o preço do Play Station 4. O videogame custa R$ 839,00 no Canadá e não passa de R$ 1.500,00 no resto do mundo. As exceções? R$ 2.406,00 na Argentina e R$ 4.000,00 por aqui. As multinacionais seriam mais gananciosas no Brasil?
Um videogame chamado Capitalismus ajuda a responder. Cada jogador, chamado de empresarium, escolhe entre dois países para lançar seu produto: Ricus ou Carus. Em Ricus, você gasta $2 por produto, cujo sucesso é decidido em um cara ou coroa. Saiu cara? Você cobra $24 (preço de venda), paga $4 de imposto e fica com $20. Descontando os $2 que custou o produto, lucrou $18. Deu coroa? Pela regra, você não vende nada e ainda perde $10, além dos $2 do seu custo, ficando com um prejuízo de $12. Portanto, você ganha $18 em metade das rodadas e perde $12 na outra metade. A cada duas rodadas, você tem um lucro médio de $6.
O segundo país se chama Carus . Nele há 4 regras distintas. 1ª) O custo por produto é de $4. 2ª) O imposto é de $12. Portanto, cada vez que sair cara sobra apenas $8 para você ($24–$12–$4). 3ª) O governo criou um imposto adicional sobre lucro abusivo: metade das vezes que sair cara, ele considerará que saiu coroa. Ao invés de ganhar $24, você perderá $10, que somados aos $4 pagos por rodada totalizam um prejuízo de $14. Em resumo, em Carus, você ganha $8 em ¼ das vezes e perde $14 em ¾ delas. Portanto, a cada 4 rodadas, em média, você tem um prejuízo de $34 ($8–3x$14). 4.ª) O governo pode elevar os impostos a qualquer momento.
Por que os custos por produto são maiores em Carus? Matérias primas, mão de obra, transportes, legislação trabalhista protecionista, infraestrutura precária, burocracia e regulação excessivas, impostos abusivos.
Se as regras parassem por aí ninguém jogaria em Carus, mas em Capitalismus os empresariums determinam os preços de vendas de seus produtos e, por consequência, suas margens de lucro.
Para lucrar em Carus, os mesmos $6 lucrados em média a cada duas rodadas em Ricus, os empresariums teriam de praticar um preço de venda de $58 em cada lançamento bem sucedido, em vez dos $24 praticados em Ricus. Neste caso, em média a cada 4 rodadas, eles ganhariam $54 ($58-$4), e perderiam $42 (3x$14), lucrando $12, o equivalente a $6 de lucro médio a cada duas rodadas em Ricus.
A elevação de $24 para $58 do preço de venda em Carus é a parte mais óbvia do que, em Capitalismus, chamam de Custo-Carus, mas ainda tem mais. Como o risco é maior em Carus os empresariums não aceitam ganhar, em média, a mesma coisa que em Ricus. Para compensar, só topam jogar lucrando mais, o que eleva ainda mais o preço de venda dos produtos em Carus.
Os empresariums querem cobrar mais em Carus, mas como conseguem? Se são movidos a ganância por que não cobrar mais em Ricus também? Porque há limites no que os consumidores aceitam pagar, mas eles são bem mais elásticos em Carus.
Carus tem uma das piores distribuições de renda e poder de consumo de Capitalismus. Em Ricus, onde a distribuição de renda é melhor, as empresums maximizam o lucro vendendo maiores volumes; em Carus, vendendo mais caro. Quando a renda é concentrada é possível extrair o máximo daqueles que podem e aceitam pagar mais, principalmente por produtos e serviços que conotam status.
A segunda razão vem do Custo-Carus. O governo de Carus aumentou repentinamente impostos para produção, importações e venda, provocando perdas para alguns empresariums. Muitos desistiram de fazer negócios por lá, diminuindo as opções de compra dos consumidores. Menos competição permite que em Carus os empresariums cobrem mais.
O que os consumidores de Carus poderiam fazer? Boicotar produtos com preços abusivos, forçando os empresariums a praticarem preços menores, e também cobrar do seu governo a redução de impostos, regulamentações e custos trabalhistas e a expansão de investimentos em infraestrutura, reduzindo o Custo e o Lucro-Carus. Tudo ficaria tão diferente que o país talvez até precisasse mudar de nome.
Ricardo Amorim - economista, apresentador do programa Manhattan Connection da Globonews e presidente da Ricam Consultoria.
Fonte: revista Isto É