Tamanho
do órgão ou número exato de neurônios não predizem o desempenho de alguém
Desde quando se descobriu que o cérebro serve para
alguma coisa, a humanidade tem fixação com o seu tamanho. Intuitivamente, faz
sentido: quanto mais se tem de um recurso, mais se deve poder fazer com aquele
recurso, certo?
E se o cérebro é o que nos torna inteligentes,
flexíveis, não só prontos para tudo, mas também capazes de pensar antes no que
poderá ser preciso eventualmente e se preparar para isso, então quanto mais
cérebro, mais capaz deve ser uma espécie animal, e também um indivíduo, não?
Mais ou menos. Há 15 anos que eu estudo de que cérebros
diferentes são feitos e que diferença isso faz. Entre espécies animais, me
parece bastante claro que o tamanho do cérebro é irrelevante em termos de
capacidade cognitiva, necessidade de sono e tempo de vida. Muito mais
importante é o número de neurônios que compõem o cérebro e suas partes. É o
número enorme de neurônios no córtex cerebral, por exemplo, que nos distingue
dos outros animais, mesmo elefantes e baleias —e de quebra também explica nossa
longa infância e longevidade.
Cérebro estilizado realizado com luz vermelha e longa
exposição de forma criativa através da técnica fotográfica conhecida por Light
Painting, sobre papel com pintura de ondas
Se números enormes de neurônios custam tempo e energia,
é de esperar que eles "sirvam" para alguma coisa —quer dizer,
ofereçam alguma vantagem imediata ao portador. Afinal, é assim que boa parte
dos biólogos espera que a evolução funcione: através da fixação ao longo de
gerações de pequenas vantagens de valor adaptativo. Como, por exemplo, mais
neurônios corticais.
Cinco anos atrás, descobrimos, para nossa surpresa, que
mesmo camundongos criados em laboratório, todos de uma mesma ninhada, são
bastante diversos em tamanho e número de neurônios, mas os animais com os
maiores córtices não são necessariamente os que tem mais neurônios corticais.
Kleber Neves e Gerson Guércio, ambos na época jovens
aspirantes ao doutorado, apareceram então na minha sala para perguntar:
"Mas, ainda assim, os animais com mais neurônios poderiam ter alguma
vantagem cognitiva, mesmo sem o cérebro ser maior, não poderiam? Nós queremos
testar isso".
Ah, que delícia é ter jovens inquisitivos no
laboratório. Poucos anos e mais de 30 camundongos cuidadosamente testados
depois, em colaboração com o professor Rogério Panizzutti, da UFRJ, temos uma
resposta: não. Nem mesmo um pouquinho. O número exato de neurônios no cérebro
de um indivíduo não prediz quão bom será seu desempenho em um teste. O estudo
acaba de sair na revista Neuroscience Letters.
É o tipo de resultado que revistas científicas não acham
titilante, mas eu adorei. Soa tão igualitário: mais importante não é o cérebro
com que você nasceu, mas o que você faz com ele.
Suzana
Herculano-Houzel - Bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).
Fonte: coluna jornal FSP