Ser velho virou ofensa

Moradoras do Lar Verbo Amar, em São Paulo

A lista de xingamentos que já enfrentei aqui e nas redes sociais é longa, porém clichê. Em geral são variações mais ofensivas de "chata e burra". Sou chamada de feminazi e de reaça, o que me faz ter certeza que estou no caminho certo. Felizmente tenho a sorte de ser paga para escrever e não para agradar. E desconfio que alguns detratores ao deitar à noite, abraçam o travesseiro e repetem "Mariliz, te amo", no escurinho do anonimato.

Ser xingada de velha, no entanto, é novidade. Não porque eu não seja. Na adolescência qualquer pessoa com mais de 30 era velha para mim. Por esse conceito, me encaixo na categoria faz tempo. O que é novidade é que chamar uma pessoa de velha seja considerado munição para ofender. Foi xingamento porque veio em letras garrafais e com pontos de exclamação suficientes para que a entonação fosse negativa.

SUA VELHA!!!

Preconceito? Desdém?

O que é ser velha para essas pessoas a ponto de elas considerarem uma ofensa?

É ter rugas na testa de tanto franzi-la ao longo da vida, por alegria, tristeza, preocupação, êxtase? Talvez sejam as manchas de sol que eu guardo de lembrança dos verões. Tem bigode chinês, sim. A pele está flácida e talvez eu pareça um buldogue sacolejando as pelancas do rosto quando corro.

Ser velha é sentir dores na lombar até quando durmo? Tenho. Tenho mais. Joelho operado, queda de cabelo e uma pancinha que tá osso perder, na academia. Tenho sono também. Sexta passada, nem 21h30 e já estava na cama. Felicidade de velho, não ter mais a obrigação de ficar no bar até o garçom erguer as cadeiras. Você venceu, mãe.

O que é ser velha? Ter amigos tão antigos que as fotos estão desbotadas, celebrar 20 anos de formada, ser chamada de tia pelos filhos dos colegas, sentir saudade de tantas coisas e também alívio por ter sobrevivido a elas e a mim mesma?

Sou velha.

É ter cicatrizes de amor no estômago e na alma, rugas de felicidade, marcas no corpo de paixão, remorsos por ter traído, magoado, deixado para trás? Casei, descasei, casei de novo. Morri por tantas histórias e ressuscitei apenas para morrer de novo.

Olho para trás e vejo, com otimismo, que talvez metade da vida já tenha passado. Talvez mais. Não sei se restam mais 40 ou mais quatro anos, penso com um pouco de melancolia. Deve ser coisa de velho.

Vale nessa contabilidade ter mais carimbos no passaporte do que na carteira de trabalho? Mais dívidas do que dinheiro no banco? Colecionar vitórias, promoções e acertos, chorar demissões e fracassos? Tudo anotadinho.

E histórias para contar, lembranças para celebrar, cagadas para se arrepender? Tudo no caderninho da vida. Aos montes.

Já nadei pelada num hotel famoso, saltei de paraquedas, viajei sozinha de mochila pela Europa, fugi de tarados no Nordeste, fiz trabalho voluntário, morei em tantas casas que já nem me lembro mais.

Isso é ser velha? Ok, sou velha. Que ótimo. Pode arranjar outro xingamento, esse não cola.

Marilis Pereira Jorge - jornalista e roteirista

Fonte: coluna jornal FSP

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