Não se aposente e peça ajuda, diz Sanjay Gupta sobre saúde do cérebro
Para neurocirurgião, nossa genética não é mais
determinante do que nosso estilo de vida para desenvolvimento de demência.
A lista de coisas que devemos fazer para
melhorar a saúde de nosso cérebro e preservar
nossa memória ao longo da vida, segundo o
neurocirurgião Sanjay Gupta, 54, é bem parecida com a lista de coisas que
devemos fazer —e não fazer, ou pelo menos não fazer muito— para manter nosso
corpo saudável.
Sim, as mesmas de sempre: dieta, exercícios, sono, vida social.
Mas há novidades, mais
itens nesta lista, como descanso, que não é a mesma coisa que sono,
além de descoberta e propósito, dois conceitos abstratos e impalpáveis, que
tornam a tal lista cada vez mais trabalhosa e inatingível.
"Vamos ter que
ter vidas muito ocupadas", afirma Gupta, quando pergunto como vamos
conseguir tempo para tudo isso.
A boa notícia é que ter uma vida muito ocupada
é parte da solução, e não um problema a mais. E tem mais coisas boas que ruins
nas dicas do neurocirurgião.
A principal é que ele afirma que, em relação à
memória, nossa genética não é mais determinante que nosso estilo de vida. Ou
seja, não é porque há histórico de demência ou doença de Alzheimer em sua família
que você está destinado a sofrer esses mesmos reveses.
Claro que não é possível driblar para sempre
todos os males e desviar do final que todos sabemos que temos pela frente: a
morte. Mas o que as pesquisas de Gupta indicam é que, até ela chegar, podemos
viver muito melhor.
Tudo no nosso corpo piora com a idade, mas
você diz que nosso cérebro pode melhorar. Como isso é possível?
Talvez isso não seja 100% verdadeiro em relação ao nosso corpo.
Houve um estudo
fascinante sobre corredores que descobriu que pessoas que corriam
constantemente, como corredores profissionais ou mesmo aquelas muito diligentes
entre os 30 e 70 anos, experimentavam uma diminuição mínima no desempenho.
Então, por que os septuagenários geralmente não correm como trintões? Porque
eles param de fazer isso quando atingem os 50 ou 60 anos. Simplesmente não
correm mais com tanta frequência.
Acredito que o mesmo acontece com o cérebro.
Quando estamos na vida profissional e
trabalhamos regularmente, nosso cérebro não apenas funciona bem, mas continua
melhorando devido ao aumento dos estímulos, da nossa capacidade de julgamento,
da consolidação de informações e outros fatores.
É
aquele velho ditado "use-o ou perca-o". Podemos criar novas células
cerebrais ao longo de nossas vidas, algo que antes não acreditávamos ser
possível.
Conforme envelhecemos, o cérebro pode se tornar mais afiado, pois
tivemos mais tempo para consolidar informações. Se continuarmos a usar o
cérebro da mesma forma que usávamos quando éramos mais jovens, ele não entra em
declínio.
Algumas
pessoas podem desenvolver doenças neurodegenerativas, mas, para a media da
população, não há motivo para presumir que haverá uma diminuição na função
cerebral.
Você está dizendo que parar de trabalhar pode nos fazer mal?
A aposentadoria não é uma boa ideia, na minha opinião. As pessoas dizem que vão
se aposentar e ter mais tempo para outras coisas. Na verdade, o oposto
acontece, mesmo que estejam menos ocupadas.
Tornam-se menos propensas a serem
sociais e a se exercitarem. Trabalhar, além de fornecer alguma renda, oferece
benefícios significativos para o cérebro e o corpo.
Isso
é muito bom para o capitalismo, mas também é bom para todas as pessoas. Eu não
planejo me aposentar.
Quando as pessoas se aposentam, tendem a ter um grande
declínio em sua saúde física e cerebral. Então, continue trabalhando para o seu
próprio benefício.
Realizar tarefas desafiadoras é das melhores coisas que
podemos fazer para os nossos cérebros. Então, trabalhe o máximo que puder.
Você diz que quase tudo que é bom para o
coração é bom para o cérebro, mas não tudo. Que coisas são boas para o coração,
mas não para o cérebro?
Vamos considerar o movimento.
Qualquer tipo de movimento libera algo chamado
fator neurotrófico derivado do cérebro.
Ninguém precisa lembrar desse nome.
Essa é uma substância que ajuda novas células cerebrais a crescerem. Qualquer
tipo de movimento fará isso por você.
Mas há uma diferença: quando você se exercita
intensamente, você também libera muito cortisol, o hormônio do estresse.
E o cortisol pode inibir o fator
neurotrófico derivado do cérebro. Então, o exercício intenso é bom para o
coração, mas não tão bom para o cérebro. Já temos muito estresse em nossas
vidas.
Isso não quer dizer que estamos liberados para
não fazer exercícios vigorosos, porque são importantes para a saúde
cardiovascular.
Precisamos das duas coisas: exercícios intensos, como corrida,
musculação, e exercícios moderados, como uma caminhada, alongamento, tai chi.
Outra diferença entre como o nosso cérebro e
nosso corpo funcionam: o corpo sempre assume que precisa armazenar calorias,
porque não sabe quando iremos comer novamente.
Somos muito eficientes nisso.
Não tão bons quanto alguns animais que podem hibernar depois de armazenar
muitas calorias.
Mas o cérebro não funciona assim, ele não
armazena energia. Então, se você fizer uma refeição muito calórica, o cérebro
simplesmente para de absorver os nutrientes.
Desliga os receptores de açúcar.
Você entra numa situação muito estranha em que está dando muitas calorias ao
corpo, enchendo o corpo de energia, mas deixando o cérebro faminto ao mesmo
tempo.
Sempre se disse que usamos apenas 10% do nosso
cérebro. Em seu livro, você afirma que usamos provavelmente 50%. Aumentar a
atividade no cérebro nos faz usar uma porcentagem maior ou o que muda é como
usamos esses 50%?
Essa é uma boa pergunta, mas tem uma resposta difícil. Pense na cidade em que
você mora.
A sua cidade é como o seu cérebro. Então, na cidade em que você
mora, você se desloca para casa, para o mercado, a escola de seus filhos, seu
local de trabalho.
Essas são as áreas onde você passa a maior parte do tempo na
sua cidade, que estamos usando como uma imagem para explicar o seu cérebro.
Você não poderia chegar de um lugar a outro sem usar as avenidas e ruas do
caminho, certo?
Muitas partes do nosso cérebro são como essas
ruas e avenidas entre as áreas mais eloquentes do cérebro, que seriam o
equivalente à nossa casa, nosso local de trabalho, o mercado, a escola.
Nem
sempre estamos nos deslocando de um lugar a outro na nossa cidade, mas, se as
ruas e avenidas não existissem, não seríamos capazes de ir da nossa casa ao
nosso trabalho.
Então, talvez em muitos momentos você só
esteja utilizando 10% do seu cérebro mesmo, quando está no
seu escritório, por exemplo.
Mas você precisa que os outros 90% estejam
funcionando bem, ou seja, que as ruas e avenidas estejam lá, para que você
possa ir para sua casa no final do dia.
Você nos pede, na introdução do livro, para
pensar sobre o que é um cérebro saudável. O que é um cérebro saudável?
Não sei se você conhece esta piada velha entre neurocientistas: "se você
fizer esta pergunta a dez médicos especialistas em cérebro, obterá onze
respostas diferentes".
Nosso cérebro é como um músculo. Um cérebro
saudável não é um cérebro esmagado pelos desafios da vida diária, mas sim
fortalecido por eles.
Por que algumas pessoas têm memórias tão
melhores que as outras, desde muito jovens?
Não é bem assim, nossa memória é uma coisa que precisa ser ativada, e não uma
gravação automática de tudo que acontece.
Nosso cérebro não é uma câmera de
vigilância ligada o tempo todo. Para guardar uma memória, precisamos estar
atentos. Nem tudo o que nos acontece ou que vemos fica registrado em nosso
cérebro.
E temos que fazer uma distinção aqui, porque
as pessoas entram em pânico quando esquecem de detalhes cotidianos, e acham que
pode ser um sinal de Alzheimer.
Durante nossa vida, podemos
experimentar uma perda de memória típica da idade avançada, porque há um
desgaste natural do sistema nervoso que acontece com o passar dos anos que pode
causar problemas de memória.
Mas há uma enorme diferença entre esquecer
onde você deixou a chave do carro, porque botou em algum lugar diferente do
normal enquanto atendia o telefone, por exemplo, e olhar para o chaveiro e não
reconhecer o que são as chaves do carro e para que elas servem.
Esquecer onde botou as chaves não é um
esquecimento, é apenas um gesto feito sem atenção que não ficou gravado em sua
memória.
Na verdade, você nunca criou essa memória. Não é que você esqueceu,
você nunca armazenou isso nos seus bancos de memória.
Quer dizer que só nos lembramos do que fazemos
esforço para que fique gravado?
A memória é um ato intencional, mas não consciente. Você não escolhe
conscientemente que vai se lembrar de uma coisa e não outra, mas o seu cérebro
faz isso.
É como se você tiver um copo d’água na sua frente. Para beber essa
água, precisa pegar o copo com a mão e levá-lo à sua boca. Isso não acontece
automaticamente, precisa ter a intenção, ou seja, tomar a decisão de levar o
copo à boca. A memória é um pouco assim.
A ciência volta e meia parece nos puxar o
tapete, e afirmar que precisamos deixar de fazer alguma coisa e começar a fazer
outra diferente para nos mantermos saudáveis. Sabemos há muito tempo que cuidar
da dieta e fazer exercícios são importantes, mas agora parece que o leque foi
aberto, e precisamos fazer tudo isso e mais descansar, ter amigos e um
propósito de vida. Não vai dar tempo!
Eu sei, vamos ter que ter vidas muito ocupadas.
Como vamos gerenciar isso? Como isso vai
funcionar em uma sociedade em que precisamos trabalhar muitas horas por dia,
cuidar dos filhos, dos pais, nos deslocar de um lugar a outro, cuidar da casa,
das finanças e agora ainda precisamos cultivar amizades por interesse? Essa não
é sua área, mas preciso saber, como você gerencia seu tempo?
Esse é o grande desafio que temos na vida.
Costumamos pensar que o tempo de
descanso ou de sono é um tempo que desperdiçamos, e que poderíamos usar para
ter uma vida mais interessante e produtiva.
Mas a maioria das memórias que
temos são consolidadas quando dormimos, então você pode ter uma vida incrível,
cheia de desafios e aventuras, mas talvez não se lembre dela quando envelhecer,
se não dormir bem.
É fundamental valorizar mais o
sono que a programação da Netflix.
A gente também precisa fazer um esforço
consciente para encontrar os momentos de inspiração, de descoberta, de alegria,
de conexão.
Nós dois temos muita sorte, porque somos jornalistas, então
trabalhamos em uma área que nos permite estarmos constantemente descobrindo
coisas novas.
Hoje, por exemplo, estou tendo esta conversa com você. Isso é
muito bom para o meu cérebro. Somos sortudos, mas todo mundo precisa encontrar
isso na própria vida.
Voltando ao tema da aposentadoria, as pessoas
param de trabalhar achando que terão disponibilidade para fazer o que quiserem,
mas a verdade é que, na maioria das vezes, quando se aposentam, perdem um
estímulo que tinham todos os dias. E não o encontram na aposentadoria.
Então,
trabalhem o máximo de tempo que puder.
E, finalmente, a conexão com as pessoas. Isso
é o mais difícil. Vou te contar uma história pessoal. Eu nunca fui uma pessoa
muito social, e fiz medicina, depois dez anos de treinamento após a faculdade,
trabalhando mais de 100 horas por semana.
Nunca pensei que me casaria, nunca
pensei que teria filhos. Mas sou casado, tenho três filhas adoráveis. E, além
da medicina, ainda virei jornalista.
Durante a pandemia, quando estávamos isolados,
percebi o quanto sentia falta da conexão social. Perdi um pouco do meu contexto
para a vida, sabe?
Conclui que passar tempo com as pessoas é importante para
mim. Se por nenhum outro motivo, porque permite que você obtenha opiniões
diferentes das suas.
As relações mais profundas que temos são
aquelas nas quais podemos nos mostrar vulneráveis. E uma maneira de mostrar
vulnerabilidade rapidamente é pedir ajuda.
Não precisa ser algo grande, basta
dizer: "ei, posso contar com sua ajuda com isso?" Essa é uma ótima
maneira de fortalecer relacionamentos.
Como assim, pedir ajuda? Devemos abordar um
conhecido e perguntar se quer ser nosso amigo para melhorar a atividade do
nosso cérebro? Não sei se isso vai funcionar muito bem...
Não, claro que você não vai sair por aí pedindo para as pessoas serem suas
amigas.
O que eu aconselho é mudar a conversa que você já tem com pessoas
queridas, mas que podem ter ficado meio sem assunto, o que é natural. Pode
confiar, funciona.
As pessoas relutam muito em pedir ajuda, acham
que mostrará fraqueza ou algo assim. Mas testei na prática.
Eu sou muito ligado
a meus pais, dois imigrantes indianos que trabalharam a vida inteira na
indústria automotiva em Detroit.
Converso muito com eles pelo telefone, mas é
sempre aquela coisa meio xoxa, "como você está?" "Estou bem, e
você?" "Também estou bem", bem superficial.
Mas, em um momento, minha esposa estava com
problemas com o carro dela, e eu resolvi pedir ajuda a eles, que conhecem muito
como os carros funcionam.
E isso fez nossa conversa mudar completamente, foi
como se a vida deles tivesse um novo propósito, nossas conversas tinham razão
de existir, não era mais uma coisa burocrática.
Eles se envolveram com a questão do carro,
pediram que fizéssemos testes e descrevêssemos os resultados, foi uma
revelação.
Eu ainda sou o filho deles, eles ficaram muito interessados e
satisfeitos por poderem cuidar da gente, nos ajudar com um problema que não
teríamos condição de resolver sozinhos.
Funcionou tão bem para mim que recomendei a
todos os meus amigos. E agora recomendo a você e aos seus leitores.
Sanjay Gupta, 54 - neurocirurgião, é correspondente de saúde
do canal CNN e autor de livros como "Mente Afiada: Desenvolva um Cérebro
Ativo e Saudável em Qualquer Idade" e "12 semanas para afiar sua
mente: Como aumentar a energia, reduzir o estresse, melhorar o sono e diminuir
a ansiedade", entre outros. Fez doutorado em medicina na Faculdade de
Medicina da Universidade de Michigan, é chefe associado de neurocirurgia do
Grady Memorial Hospital e professor associado do Emory University Hospital.
Fonte: jornal FSP