A velha política dos coronéis fortalece o
patrimonialismo na economia
Estamos
contratando novos problemas estruturais, só que desta vez será mais difícil
corrigir as distorções.
Os indicadores da economia dão sinais de alívio
depois da grave recessão iniciada no governo Dilma Rousseff e de dois anos de
pandemia.
O emprego e a produção voltaram a crescer. A inflação elevada contribuiu para o ajuste das
contas públicas, mas em boa medida essa melhora decorre das reformas iniciadas
em 2016.
Não foi obra de pouca monta. Houve a reforma da legislação trabalhista,
da Previdência, a regulação do setor de saneamento,
da governança das empresas estatais, entre outras.
Como ocorre com frequência na nossa história,
porém, essa melhora da economia foi seguida por novas medidas de captura da
política pública por grupos de interesse.
Esse é o dilema brasileiro: basta o
cenário se desanuviar para o velho patrimonialismo entrar em ação.
Estamos contratando novos problemas estruturais, só
que desta vez será mais difícil corrigir as distorções.
A política miúda cansou
de ser coadjuvante e resolveu conduzir o navio.
A lei da capitalização da Eletrobras foi
inundada de emendas para transferir recursos para diversas atividades,
incluindo a construção de termoelétricas no centro-oeste e norte do país, onde
não há gás e não falta energia, obrigando a instalação de uma cara rede de
gasodutos, o que vai onerar a conta do consumidor.
A denominação "cartéis" é usualmente
associada ao conluio de grandes empresas.
No Brasil, entretanto, mesmo grupos
organizados de pequenos prestadores de serviço são bem-sucedidos em conseguir
favores oficiais. A conta dessas benesses é paga pelo restante da sociedade.
Foram concedidos auxílios a taxistas e a caminhoneiros.
O
setor de eventos está isento de tributos federais por cinco anos. Novas
desonerações avançam no Congresso para favorecer setores de
empresas ou categorias de profissionais.
Esse quadro é agravado pelas regras do nosso
sistema tributário, com alíquotas e bases de cálculo que variam por tipo de
produto, tamanho ou localização da empresa, em meio a muitos regimes especiais
de incidência.
Essas regras alteram os preços relativos e a
rentabilidade dos processos produtivos.
As empresas são induzidas a escolher
tecnologias ultrapassadas ou a adotar estruturas de negócio ineficientes em
razão das distorções ocasionadas pela estrutura tributária.
Os ganhos privados
das empresas têm como contrapartida a menor produtividade e crescimento do
país.
A tributação sobre o valor adicionado (IVA), por
outro lado, não afeta a rentabilidade relativa dos projetos de investimento ou
de produção. Por essa razão, o IVA se disseminou como forma de tributar o
consumo nos demais países nos últimos 50 anos.
Em vez de reduzir as distorções do sistema tributário,
o Congresso tem optado por ampliar as regras especiais e as desonerações. Isso
estimula a cartelização do setor privado, pois é a forma de garantir que sua
voz seja ouvida nos gabinetes de Brasília.
Esse processo não é novo. Sindicatos patronais,
como as Federações e as Confederações da Indústria, do Comércio e dos Serviços,
recebem recursos do Sistema S, que é financiado por tributos sobre a folha
salarial.
Dessa forma, lobbies do setor privado são bancados por recursos do
restante da sociedade.
Durante o governo FHC e a gestão Temer, foram
adotadas reformas que diminuíram a distribuição de benefícios para os grupos
organizados.
O crédito subsidiado concedido pelo BNDES, por exemplo, foi reduzido com o fim da
TJLP.
Nos últimos anos, contudo, a concessão de
privilégios para grupos organizados foi retomada com vigor e tudo indica que
veio para ficar.
O Executivo foi conivente com a captura da condução da gestão
pública pelo Congresso, que encampou a agenda patrimonialista.
Em que outro país os partidos dispõem de quase R$ 5
bilhões de verbas públicas para financiar as suas campanhas eleitorais? As
emendas de parlamentares chegam a quase R$ 40 bilhões por ano.
Isso sem contar
a profusão de leis que distribuem benefícios às corporações de servidores e aos
lobbies do setor privado.
O próximo presidente terá uma difícil negociação
com o Congresso se quiser governar. O controle do Orçamento foi fragmentado
entre os parlamentares.
Por que eles abririam mão do poder adquirido nos
últimos anos? O que o presidente tem a oferecer em troca?
A democracia se fortalece com o contraditório, a
possibilidade de alternância no poder e a concorrência eleitoral.
As emendas de
parlamentares e o fundo eleitoral, no entanto, garantem tratamento privilegiado
aos aliados das cúpulas partidárias.
Os demais, em razão das restrições ao
financiamento privado das campanhas, ficam a ver navios.
O mesmo ocorre com a economia de mercado. Empresas devem ser
lucrativas porque possuem melhores métodos de gestão ou inovam, repetidamente,
com sucesso.
As melhores empresas crescem, enquanto as demais fecham suas
portas. Esse processo difícil, de destruição criadora, contribui para o aumento
da produtividade e o crescimento econômico.
No país dos velhos coronéis e dos novos cartéis, contudo,
empresários sobrevivem porque obtêm privilégios nos gabinetes dos congressistas
em Brasília.
O Palácio do Planalto apequenou-se e foi cúmplice dessa
transferência do poder ao Congresso.
O presidente vocifera muito, mas manda
pouco. Para manter as aparências, ele convidou seus amigos para o desfile de 7
de setembro.
MARCOS LISBOA - Presidente
do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
(2003-2005) e doutor em economia.