Só quem já é craque faz o básico perfeito
Voltar ao início é
oportunidade ímpar para revisitar a técnica.
Eu faço pilates há 18 anos; o Sr. Medved, meu
marido, que foi baterista profissional por quase o dobro disso, há uma década
só andava de bicicleta aqui e ali.
Quando ele topou sem pestanejar vir fazer
pilates comigo, mantive uma das minhas aulas semanais "porrada"
(aquelas onde as instrutoras mandam a gente fazer coisas teoricamente proibidas
pela gerência por razões de seguro, um espanto neste país de processos a torto
e a direito que são os EUA) e passei a marcar todas as outras aulas com ele, de
volta ao nível 1.
Tem sido minha oportunidade de voltar ao básico e ver o que
acontece.
O que
acontece, muito longe do tédio que alguns esperariam, é uma oportunidade ímpar
para revisitar técnica.
Sim, o exercício é levantar a perna –mas isso pode ser
feito com todo o esforço dirigido ao peso da perna, quando se é principiante,
ou com atenção minuciosa aos detalhes: o abdômen contraído, a perna esticada, o
ângulo correto do pé, o quadril no lugar, o tempo da respiração.
É pedir
demais, provavelmente, quando a perna mal sai do lugar. Mas, quando o desafio
do exercício em si fica fácil, o divertido passa a ser o desafio de fazer todos
os movimentos com perfeição.
Se prestar atenção na técnica no começo é um porre
sem os cuidados de um instrutor que saiba oferecer vitórias aqui e ali para
manter a motivação, voltar ao básico para revisitar a técnica pode ser uma
oportunidade ímpar, daquelas que de outra forma a gente esquece de se dar.
Então ontem foi a vez de o Sr. Medved voltar ao
básico: pedi, e ganhei, aulas de bateria, que eu nunca tinha experimentado, mas
suspeitava que seria uma mistura de dança, sapateado e música, tudo ao mesmo tempo.
Morando em
Nashville, cidade onde Taylor Swift virou estrela, tive a
oportunidade de assistir uma vez ao seu ex-baterista tocando por pura diversão
num boteco fora de mão, com audiência minguada.
Agora dono de uma oficina mecânica para poder
curtir a família, o homem era um espanto.
Ele não tocava bateria: ele dançava
no banco, baquetas em riste, que "por coincidência" batiam nos
tambores do outro lado, num show digno do diabo do Charlie Daniels.
Era ele quem mais estava se
divertindo naquele estabelecimento, e eu queria saber o gosto que aquilo tinha.
Sr.
Medved, que tinha sido professor de bateria também, pediu uns dias para
preparar aula, resgatar um metrônomo das profundezas da garagem e espanar os
instrumentos.
Meus anos de aulas de música ajudaram, bem como ter aprendido,
com sapateado de um lado e violoncelo de outro, que tornozelo e pulso precisam
ficar soltos para serem ágeis.
Ah, o benefício da idade, digo, da experiência:
a gente aprende a aprender, pegando emprestado daqui para fazer melhor ali. Já
deu para me divertir na primeira aula, e agora quero mais.
Mas o
melhor mesmo foi ter desculpa para fazer o Sr. Medved tocar.
Claro que ele deu
uma canja aqui e ali, mas eu babei mesmo foi de ouvir a precisão, a
naturalidade, o brilho de um profissional tocando até o ritmo mais bobão, que
nos EUA é o indefectível "Back in Black" do AC/DC.
É fácil de tocar? É. Mas tocar bem a
ponto de merecer lugar no palco são outros quinhentos.
Como
dizia meu primeiro professor de violão: primeiro a gente tira as notas da
música, depois a gente tira a música das notas –mesmo as mais básicas.
Quem
sabe um dia desses eu conquisto o prazer de dançar na bateria?
SUZANA HERCULANO-HOUZEL – bióloga e neurocientista da Universidade
Vanderbilt (EUA).