Longevidade é coisa do cérebro


Pesquisa mostra que número de neurônios no córtex cerebral impacta no tempo de vida.

De que serve ter um montão de neurônios no cérebro? “Mais capacidade cognitiva, independentemente do tamanho do cérebro”, eu sou a primeira a defender. Mas também sou a primeira a contra-argumentar: “...não que isso seja absolutamente necessário para a vida ou sobrevivência”. Porque não é.

Camundongos têm um milésimo do nosso número de neurônios no córtex cerebral e há milhões de anos vão muito bem, obrigada (tanto que eu penei para me livrar de uma família que andou visitando minha cozinha à noite).


Agora tenho uma nova resposta a oferecer, recém-publicada em um artigo aberto ao público (e fácil de ler) no Journal of Comparative Neurology. Com mais neurônios no córtex cerebral, aquela parte do cérebro que torna nosso comportamento complexo e flexível, vem... mais tempo de vida, e tudo o que isso permite: mais oportunidade de aprendizado, mais informação, conhecimento, tecnologia e cultura.

Até então, pensava-se que a longevidade dependia da taxa de uso de energia. Quanto mais rápido o consumo, mais rapidamente o corpo deveria acumular danos e mais cedo sucumbir ao estrago. Como animais maiores de sangue quente tendem a consumir energia mais lentamente, eles deveriam viver mais tempo do que animais menores. 

Se por um lado a lógica funcionava passavelmente bem, ela deixava vários buracos. Papagaios, por exemplo, tem o tamanho de ratos, mas vivem dez vezes mais. Humanos também não se encaixavam. Menores do que gorilas, levamos mais tempo para atingir a puberdade do que chimpanzés, e vivemos mais até mesmo do que gorilas —donde teorias de que a infância e a menopausa seriam “invenções evolutivas humanas”.

Mas não são. Descobri que tamanho do corpo e taxa de uso de energia são irrelevantes para o tempo biológico dos homeotermos, e apenas parecem ter algum papel porque variam com o que realmente importa, o número de neurônios no córtex cerebral.

Quanto mais neurônios corticais, mais tempo uma espécie de sangue quente, ave ou mamífero, leva para atingir a maturidade sexual (ou seja, mais tempo a prole depende de quem cuide), e mais tempo os animais vivem. E nós humanos, claro, não somos exceção alguma.

Isso indica que os neurônios do córtex cerebral, além de permitir cognição mais requintada, ainda nos mantêm vivos. Mais uma razão para lembrar que seus neurônios não têm sobressalentes e cuidar muito bem deles.

 

Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)

Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com

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