Há
algumas semanas, o Japão anunciou que iria adotar taxas de juros negativas.
Esse é o tipo de assunto que não desperta muito interesse (e nem tem muitas
implicações diretas) no universo das finanças pessoais, mas acabei sendo
perguntado por muita gente, inclusive da mídia, sobre como é possível ter “juros
negativos”, uma hipótese difícil de considerar, principalmente quando se vive
no Brasil, o país onde é perfeitamente legal cobrar juros que, em economias
desenvolvidas, nem a máfia cobra…
Mas vamos tentar entender, então, o que são as tais taxas
negativas. Vamos começar deixando claro que não se está falando de “juros reais
negativos”, ou seja, juros nominalmente positivos, porém abaixo da inflação.
Estamos falando de juros NOMINAIS negativos. Ter juros reais negativos não é
nada incomum, aliás, a maioria das economias desenvolvidas hoje em dia tem
taxas de juros básicas abaixo da inflação.
Hoje, além do Japão, alguns países europeus fora da Zona do Euro
praticam taxas nominais negativas. Vou tentar explicar da forma mais simples
possível, ainda que tenha que fazê-lo de uma forma “imperfeita”, por isso desde
já peço desculpas àqueles leitores que conhecem, nos seus pormenores, os
mercados interbancários (também conhecidos como “mercados abertos” – apesar de
serem restritos às instituições financeiras), que são aqueles mercados onde
instituições financeiras (e os bancos centrais, na maioria dos casos) emprestam
dinheiro entre si para fecharem todos os dias com os níveis de reservas
financeiras enquadradas conforme os requisitos legais.
Quando esses empréstimos interbancários são finalizados, o
dinheiro que “sobra” vai, geralmente, para uma conta de reserva de cada
instituição no banco central do país em que opera, e esse depósito rende juros
para a instituição (que é equivalente à taxa básica do país).
É sobre essa “sobra” de dinheiro que é aplicada a taxa negativa.
Ou seja, na prática, o banco central “cobra” para guardar o dinheiro, o que
acaba forçando as instituições financeiras a emprestarem essa sobra para outras
instituições, empresas ou indivíduos, “dando um gás” (é o que se espera…) na
economia. Um detalhe importante: essa sobra de dinheiro não é o famoso
“depósito compulsório”, pois este a instituição financeira não tem a opção de
dar outra finalidade – o depósito é, como o nome sugere, compulsório…
Como podemos ver, na prática, essa taxa de juros negativa é
aplicada apenas a uma pequena parcela do dinheiro e não deve chegar às
operações financeiras de consumo – ou seja, não é desta vez que as pessoas
serão pagas para gastar o dinheiro dos outros…
Porém, alguns países que adotam juros negativos há mais de tempo
já foram um pouco mais longe. Na Suíça, por exemplo, já se cobra para manter
dinheiro depositado num banco. Na prática, sai mais barato deixar o dinheiro
debaixo do colchão do que colocar num banco.
Até algum tempo atrás, poucos economistas e estudiosos sequer
considerariam a possibilidade de taxas negativas – havia certo consenso de que
“o zero era o limite”. No entanto, países como Suíça, Suécia, Dinamarca e,
agora, o Japão resolveram inovar… e pode ser que alguns outros países ainda
resolvam aderir a esse modismo para tentar fazer a economia “pegar no tranco”.
E para registro, aqui no Brasil, apesar da nossa economia também estar
naufragando, o uso desse tipo de recurso é algo simplesmente impensável. Ainda
temos muita “gordura” para cortar – além de nosso governo ser sedento por
dinheiro.
Como essas economias de “juros negativos” vão se comportar no
longo prazo ainda é um mistério. Os depósitos bancários sempre foram
importantes para direcionar recursos para empresas e para o setor produtivo
como um todo. Num caso como o Japão, onde os juros negativos são um fenômeno
ainda restrito ao mercado aberto (com os depósitos do banco central), esse
dinheiro pode acabar sendo empurrado para as empresas, o que seria, em tese,
algo “bom”. Mas no caso da Suíça, onde os depósitos são penalizados na ponta do
varejo, a coisa toda pode acabar ficando um tanto complexa e causar sérios
distúrbios no fluxo de dinheiro dos poupadores para as empresas e indivíduos
que precisam se financiar.
Seja como for, estamos presenciando alguns experimentos
potencialmente revolucionários na economia, e será interessante observar, até
para saber qual será o efeito prático na vida das pessoas comuns.
André
Massaro - escritor, palestrante, educador financeiro e consultor
especializado em finanças, investimentos e economia; é autor dos livros
"MoneyFit", "Por dentro da bolsa de valores" e
"Dinheiro é um santo remédio".
Fonte: www.andremassaro.com.br