Diz
a oração católica que devemos perdoar a quem nos ofendeu (assim como esperamos
o perdão divino às nossas ofensas, claro). De fato, a neurociência já sabe que
perdoar --tanto pontualmente como por hábito-- favorece o bem-estar e a saúde
cardiovascular.
O
perdão põe fim ao estresse causado pelo ódio crônico, que estimula a produção
de hormônios de estresse, perturba o sono, aumenta o risco cardiovascular e de
depressão e ansiedade.
O
que acontece no cérebro que perdoa? Um estudo italiano recrutou voluntários
para seguir um roteiro que os orientava a imaginar situações de ofensas
pessoais, e em seguida os instruía a perdoar o inimigo imaginário ou, ao
contrário, os incitava a planejar vingança. Tudo isso acontecia dentro de um
aparelho de ressonância magnética, que permitia à equipe acompanhar as mudanças
de atividade no cérebro dos voluntários enquanto eles eram perdoavam ou não.
O
estudo mostrou que tanto o perdão quanto a vingança envolvem ativação nas
mesmas estruturas "" mas de maneiras diferentes. O perdão ocorre
quando a ativação do córtex pré-frontal dorsomedial, que regula nosso
comportamento emocional, é comandada por duas estruturas que nos permitem
adotar o ponto de vista do agressor e reavaliar o estado emocional deste: o
precuneus e o lobo parietal inferior, respectivamente. Isso fomenta a empatia,
que coíbe ímpetos de retaliação via o córtex pré-frontal, e traz um estado
emocional positivo: o alívio do perdão concedido.
Se
não há perdão, o córtex pré-frontal dorsomedial também é ativado, mas sob o
controle do giro temporal medial, e não do precuneus e do parietal inferior
(que também estão ativos, mas ocupados em julgar o agressor um vilão).
O
giro temporal medial representa a intenção alheia --nesse caso, de nos fazer
mal. Como a agressão foi intencional e não temos empatia com o vilão, o cérebro
faz o que é mais sensato: odeia ativamente quem o insultou, sem perdão.
Perdoar,
portanto, não depende dos fatos, e sim da nossa avaliação consciente da
intenção e das emoções de quem nos ofendeu. Quer perdoar? Coloque-se no lugar
do outro. Não quer perdoar? Recuse-se a ver o insulto pelos olhos do seu
agressor o que, francamente, em alguns casos é a coisa sensata a fazer.
O
perdão católico universal não nos mantem a salvo de quem não presta. Ruminar o
ódio faz mal, mas ainda há saída: banir o infrator da sua vida e mente. Quando
não há perdão, a distância ajuda.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora
da UFRJ e apresentadora do programa Cerebrando (cerebrando.net)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com