Procrastinar é trabalhar para os outros


No mundo de hoje, ficar de bobeira na internet é conferir valor para grandes empresas

Regra do mundo contemporâneo: quanto mais nossas vidas vão ficando digitais, maior é a tentação de procrastinar. A definição do termo inclui “adiar uma ação” ou ainda “prolongar uma situação para ser resolvida depois”.

A procrastinação tornou-se hoje um dos desafios presentes no cotidiano de quem está conectado à internet, especialmente os “millennials”.

A situação é familiar: você tem uma tarefa para fazer, com prazo para ser cumprida. Em vez de terminar logo, para ter tempo livre, fica adiando ao máximo a execução, até que o prazo se aproxima e a tarefa é então executada às pressas (e com frequência em pânico).

Desde logo vale se tranquilizar um pouco. A procrastinação não é hoje um problema individual, só da pessoa, mas, sim, um problema social.


Mesmo se você espera uma herança, é possível que não a consiga a tempo para pagar por marcos da vida como a compra de imóveis BBC News Brasil/Dbimages /Alamy Stock Photo

Com a digitalização das nossas vidas a mercadoria mais importante na internet passou a ser a atenção. Trata-se de um recurso limitado. Com isso, há hoje uma competição brutal pela atenção dos usuários da rede. Nessa competição vale tudo: criar plataformas altamente compulsivas, que se valem da lógica de cassino para compelir os usuários a voltar o tempo todo. E é claro, vale também monitorar exatamente qual é o gosto de cada pessoa, o que ela se interessa mais, para oferecer conteúdo similar para prender sua atenção.

Com isso, quando alguém procrastina, na maior parte dos casos está deixando de criar valor para si mesmo para criar valor para os outros.

Imagine só uma estudante universitária que tem um trabalho para redigir, mas em vez de fazer isso prefere ficar em uma rede social atribuindo coraçõezinhos para fotos postadas por seus amigos ou desconhecidos por horas a fio. O que essa estudante está fazendo é —em vez de trabalhar no seu próprio interesse redigindo o trabalho que precisa fazer— está gastando seu tempo criando valor não para si mesma, mas a para a plataforma em que ela está inscrita.

Em outras palavras, procrastinar no mundo de hoje não significa não trabalhar. Significa trabalhar para outras pessoas e empresas, que capturam o valor daquele trabalho realizado na maior parte dos casos de forma gratuita.

Essa constatação põe em xeque completamente a ideia de “lazer” e “trabalho”. No mundo contemporâneo, dificilmente há algum momento em que não estamos gerando valor para alguém. Quando andamos pelas ruas, nossos celulares monitoram o caminho que fazemos e essa informação valiosa é transmitida para várias empresas diferentes. Quando ficamos “de bobeira” na internet, tudo que fazemos tem valor que, de novo, vai para várias empresas diferentes.

Nesse contexto, como então lidar com a procrastinação? O primeiro passo é ficar ligado sobre o valor que estamos produzindo o tempo todo. A questão é quanto desse valor está retornando para você e quanto dele está simplesmente sendo capturado por outras pessoas e empresas. É cruel: no mundo de hoje é muito mais divertido e prazeroso trabalhar para os outros do que para si mesmo. Vale também lembrar que procrastinação é diferente de ócio. Hoje, a procrastinação é o um mal que assola trabalhadores de toda sorte. O ócio, por sua vez, é a liberdade total de empregar o tempo no seu próprio interesse.

O ócio é seu amigo. A procrastinação não.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Fonte: coluna jornal FSP

 

Tel: 11 5044-4774/11 5531-2118 | suporte@suporteconsult.com.br