Ninguém
mais terá de ir a um órgão público para levar seus documentos de novo.
Há uma corrida silenciosa acontecendo no campo da
tecnologia. Várias organizações estão correndo para ver quem alcança (e domina)
o novo graal: a capacidade de criar uma identidade digital descentralizada, que sirva
de ponte entre o mundo físico e o mundo digital.
Com ela, uma pessoa jamais terá de se dirigir pessoalmente a um órgão público
ou empresa privada para levar seus documentos de novo. Essa prática se tornará
obsoleta e será incompreensível para as futuras gerações.
Mais do que isso, esse modelo de identidade (cujo nome técnico é “identidade
autossoberana”, ou SSID, no acrônimo inglês) não dependerá de nenhuma
autoridade específica para ser emitida. Ela será o produto das redes e relações
que cada pessoa constrói em sua vida: na escola, com serviços de saúde, com
bancos, com outras pessoas e assim por diante.
Cada atividade será um elo capaz de provar de forma inequívoca (e reconfirmada
o todo tempo) que você é quem diz ser.
A vantagem disso é que uma identidade dessa forma jamais “perde a validade”.
Seu titular pode até mudar de país e mesmo assim levará consigo digitalmente
suas qualificações (diplomas, habilidades, certificados, documentos, prontuário
médico etc.) e a prova de quem é.
Versão da carteira de habilitação para celulares e
tablets -
A competição para desenvolver esse modelo de identidade é acirrada. Há esforços
sendo feitos por iniciativa da Microsoft, do Hyperledger (que tem laços com a
IBM) ou mesmo do Facebook, que criou há pouco uma divisão de blockchain
(tecnologia que serve de base para esse modelo). Há também uma série de
organizações menores e até sem fins lucrativos trabalhando para isso. Os
exemplos incluem a uPort, a Civic e a Fundação Sovrin. Um pesquisador desta
última estará no Brasil nos dias 6 e 7 de agosto, em evento sobre governo e
tecnologia realizado em São Paulo (de que, vale dizer, este colunista é
coorganizador).
A identidade digital é o graal porque pode mudar a arquitetura da própria rede.
Quando a internet foi criada, ela deixou de fora a capacidade de identificar
pessoas. A internet dá endereços a máquinas, mas não incluiu em seu design a
capacidade de identificar pessoas. Isso leva a várias questões: perfis falsos,
fraudes ou a necessidade de recriar nossa identidade toda vez em que acessamos
um novo serviço.
A identidade autossoberana pode dar um novo enfoque para todas essas questões.
E, ao mesmo tempo, tornar-se ferramenta poderosa para acabar com a burocracia
também no mundo físico.
E o melhor: esse modelo protege a privacidade. O usuário passa a ser o
controlador dos seus dados. Pode usar sua identidade para revelar, mas também
para ofuscar. Hoje, se você mostra seu RG em papel para ingressar em um bar, a pessoa
que verifica pode ver vários outros dados: sua foto, nome dos pais, número do
RG, data de nascimento. A única informação necessária, no entanto, é se você é
maior de idade ou não. Com esse novo modelo de identidade digital dá para revelar o que
precisa ser revelado e esconder o que não precisa.
É claro que ainda há vários desafios no desenvolvimento dessa tecnologia, mas
ela já está entre nós. Participar desse processo e entender suas repercussões
para o setor público e privado podem gerar muitas oportunidades para o Brasil.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP