O Brasil contra os ICOs?


CVM indica que vai punir quem se arriscar a ofertar moedas virtuais sem passar pelo seu crivo 

O Brasil é um país de renda média que às vezes se comporta como se fosse superpotência econômica.

Um bom exemplo é a posição que estamos assumindo com relação aos chamados ICOs (Initial Coin Offerings). Esse tipo de operação é mais um desdobramento das chamadas moedas virtuais. Funcionam como uma oferta pública de ações, na qual se oferece um token (tipo de criptomoeda) atrelado a um produto ou serviço do emissor. Quem acreditar no emissor compra. Quem não acreditar não compra.

Os ICOs surgiram furando toda a regulação dos mercados de capitais. Para uma empresa vender ações em Bolsa, precisa passar por um processo longo e caro, inacessível para startups pequenas. 

Em um ICO, tudo é virtual e imediato. Perto de US$ 3 bilhões já foram levantados por meio deles. Graças à fluidez das criptomoedas, há empresas que levantaram US$ 10 milhões, US$ 20 milhões ou mesmo US$ 80 milhões em segundos. Sem nenhuma supervisão regulatória.

Cartaz em loja de Tóquio anuncia que estabelecimento aceita bitcoins –

É nesse contexto que a CVM sacudiu suas penas na semana passada e publicou uma nota ao mercado com sua posição sobre o tema. Afirmou que nenhum ICO obteve dispensa de registro de oferta pública. Para bom entendedor, indica que a CVM poderá punir severamente quem se arriscar a lançar um ICO no país sem passar por seu crivo.

Enquanto criamos barreiras para um problema que ainda nem existe no Brasil, outros países estão fazendo o contrário. Há uma disputa global para ver quem atrai mais ICOs. Enxergam neles a oportunidade de criar um fluxo positivo adicional de investimentos. 

É o caso da Espanha. O país não só não regulou ICOs como dispensou expressamente operações similares (como crowdfunding) da necessidade de registro. Neste momento está discutindo conceder benefícios fiscais para empresas de blockchain (a matriz dos ICOs) que se instalarem por lá.

Outro exemplo é a Estônia. O país quer ser o primeiro a lançar um ICO nacional. Para isso, está tra-
balhando na criação de um token chamado Estcoin, que será oferecido ao mercado global. A Estônia, vale lembrar, vem sendo reconhecida e imitada por causa de sua estratégia digital.

No mesmo sentido, a cidade de Berkeley, na Califórnia, está trabalhando também no lançamento do seu próprio ICO. A ideia é transformar os títulos da dívida pública da cidade em ativos criptográficos, ofertando-os digitalmente pela internet para quem quiser comprar. Tudo isso sem burocracia e permitindo a entrada de pequenos investidores que possuam criptomoedas, em qualquer lugar do planeta em que estiverem.

Enquanto isso, o Brasil age como se houvesse um frenesi global de pessoas procurando por ICOs brasileiros, o que demandaria uma regulação rápida e contundente. Não há. É o contrário. Precisamos trabalhar muito para tornar o país mais atraente para o mercado global de ICOs. Nesse sentido, o rufar de penas da CVM, mesmo que bem-intencionado, só atrapalha.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e representante do MIT Media Lab.

Fonte: coluna jornal FSP

 

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