Evolução da Tecnologia


Evolução na tecnologia, retrocesso no cuidado com as pessoas.

O Professor Jeffrey Pfeffer, da Stanford Graduate School of Business e autor do ótimo livro “Dying for a Paycheck” deu uma entrevista em dezembro de 2022, preocupado com a atual onda de demissões das empresas de tecnologia. 

O alvo da inquietação é sobretudo o impacto devastador da forma que estes processos estão sendo conduzidos para a saúde física e mental das pessoas. 

Além disso, segundo Pfeffer, as demissões não contribuem para a melhoria da performance na organização. 

A nossa relação com o trabalho, assim como os nossos relacionamentos familiares e afetivos, é crucial para formar nosso sentido de identidade, e, toda vez que estas relações são ameaçadas ─ como por exemplo diante de uma doença, da morte de alguém ou de uma demissão ─ nossa estrutura interna se movimenta e dispara um conjunto de sentimentos e sensações associadas à experiência de perda, que se não for bem trabalhado, pode levar as pessoas afetadas a adoecerem física e emocionalmente.

O conhecimento sobre o impacto do trabalho em nossa identidade não é novo, e há métodos reconhecidos para demissão e realocação de pessoas que são legados da administração dos últimos 70 anos. 

Em 1946, em um programa para reempregar veteranos da segunda guerra, a prefeitura de Nova York precisava retrabalhar o conjunto de habilidades para a reinserção destas pessoas no mercado de trabalho. 

Este projeto tinha como base metodológica a fenomenologia, que envolvia o processo de conduzir essas pessoas à uma reflexão profunda sobre suas histórias de vida, para que elas pudessem se apropriar de suas experiências e assim construir uma narrativa coerente para seguir adiante.

No final dos anos 1960, executivos de empresas de search (headhunting) começaram a ser procurados por seus clientes, porque depois de quase três décadas de pleno emprego, começaram a acontecer movimentos de demissão em massa, como decorrência da crescente automação e da crise do petróleo. 

Estes executivos, vendo uma oportunidade, criaram o negócio de outplacement

A primeira empresa deste mercado foi a DBM, na qual fui presidente para a América Latina entre 2004 e 2008, e que depois foi adquirida em 2011 pela LHH.

O processo de outplacement pegou emprestado da experiência do programa de Nova York para formulação da sua metodologia, e que ainda é base das empresas sérias que trabalham com gestão de carreira.

Faço esta longa introdução, porque ao longo da história, um dos aprendizados mais importantes e que é parte da cartilha de gestão de pessoas das boas empresas, é tratar a demissão como parte eventual da gestão dos negócios, sendo feita na maioria das vezes de forma respeitosa e cuidadosa.

Isso significa que toda a demissão deve ser feita pelo gestor da pessoa, em um lugar e contexto adequados, dando ao trabalhador tempo de assimilar a notícia, avisando na sequência as pessoas diretamente envolvidas com ela e depois todos os outros funcionários.

Entendo que quando se trata de demissão coletiva, de muitas pessoas ao mesmo tempo, os desafios são maiores, mas diversas empresas que passaram por isso ao longo da história vão criando formas de serem respeitosas a quem está sendo desligado, considerando também o impacto de um movimento como este para quem fica e para a cultura organizacional.

Eu tive a oportunidade de ajudar empresas que passaram por grandes reestruturações, demitindo milhares de pessoas, mas que fizeram de uma forma que, mesmo sendo dolorido para as pessoas, elas se sentiram dignificadas e puderam ressignificar a situação, criando espaço para continuar suas vidas e carreiras.

Atualmente estamos acompanhando enormes ondas de demissões em massa, ocorrendo nas empresas de tecnologia, das startups às big techs

E, ao que parece, essas companhias desenvolveram uma nova prática para essas demissões, muito provavelmente inspiradas pela velocidade da cultura do “agile” e pela informalidade da “gig economy”: são as demissões digitais, em que as pessoas chegam para trabalhar e recebem e-mails, ou são informadas por grupos de Whatsapp e até pelo Twitter. 

Essa nova prática é exatamente o oposto do que se recomenda. 

Primeiro, se avisa a empresa inteira que milhares vão ser demitidos, pouco a pouco as pessoas vão descobrindo se fazem ou não parte da lista, pelas formas mais desumanas e inadequadas possíveis. Uma cruel espécie de roleta-russa.

Voltando num ponto, a demissão cuidadosa é importante tanto para quem é demitido como para quem fica. 

Essas pessoas sabem que poderá ocorrer um dia com elas, e se acontecer, serão tratadas como seus antigos colegas foram.

Diante do descuido da forma como estas demissões estão acontecendo, o que geralmente acontece é a instalação de um clima de terror em que a empresa se paralisa pelo medo, fazendo com que as pessoas tenham comportamentos direcionados para sua sobrevivência, cada um assumindo atitudes defensivas conforme seu histórico de perdas e traumas ao longo da vida. 

Um efeito colateral é o aumento da desconfiança e a diminuição da colaboração.

Todas as companhias têm lidado com o desafio provocado pelo aumento das doenças mentais entre seus colaboradores, como parte deste grande contexto de profundas transformações nas relações das pessoas com o trabalho e o seu significado no conjunto da vida. 

Um movimento dessa magnitude, de demissões descuidadas em massa, resulta em traumas coletivos que atingem particularmente os jovens das gerações millenials e Z que estão pela primeira vez tendo esta experiência.

Estamos, como sociedade, adicionando mais uma camada traumática para a relação das pessoas com o trabalho, diante de um desafio pelo qual ainda não temos resposta. 

A reflexão que eu gostaria de deixar é, diante dos desafios de negócios, como estas empresas que são admiradas e estão na fronteira, liderando as transformações da sociedade através da tecnologia, podem contribuir para a evolução também da relação das pessoas com o trabalho?

Diante da forma como estas empresas estão hoje tratando as demissões, estamos regredindo 70 anos e deixando de cumprir uma regra básica e de ouro:

Fazer ao outro o que eu gostaria que fizessem comigo.

Marcelo Cardoso - executivo com mais de 25 anos de experiência, tendo ocupado diversas posições em companhias de variados segmentos e países. É fundador e integrador da Chie.

 

Fonte: https://thinkworklab.com/

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