A professora Elizabete Ferreira
Lima, 50, que foi voluntária no estudo e afirma que sentiu melhora com o implante
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MARIANA VERSOLATO
EDITORA-ADJUNTA DE "COTIDIANO" | FSP
O choro não cessava, o sono não vinha e os
medicamentos não faziam mais efeito. A professora Elizabete Ferreira Lima, 50,
então decidiu ir atrás de um anúncio que vira em uma rede social e se
voluntariou para um estudo inédito que testaria o uso de marca-passos contra a
depressão em 2015.
"Não tinha mais nada a perder. Queria ver se
alguma coisa poderia funcionar", diz ela.
Parte do aparelho foi implantada por meio de uma
cirurgia pouco invasiva na região acima da sobrancelha – "é discreto, mas,
como sou magrinha, aparece se a pessoa olhar muito", conta.
Aos poucos, com a estimulação que modifica os
neurotransmissores, a melhora começou a aparecer. "O choro, que antes
acontecia a qualquer hora e em qualquer lugar, parou. E hoje brinco que sou a
bela adormecida", diz.
Os resultados do estudo, que envolveu ao todo 20
pacientes, acabam de ser compilados e só confirmam a melhora sentida por
Elizabete.
"Medimos a resposta dos voluntários com a
escala de Hamilton [que avalia depressão] e uma escala de qualidade de vida e
vimos uma melhora significativa", diz Antonio De Salles, chefe do HCor
Neuro, núcleo do hospital especializado em neurologia, neurociência e
neurocirurgia.
Ele e sua mulher, a neurocirurgiã Alessandra
Gorgulho, foram os principais investigadores da pesquisa, que contou com a
colaboração de uma equipe de psiquiatras do IPq (Instituto de Psiquiatria do HC
da USP).
Em uma das escalas, que vai de 0 a 33 e na qual um
índice acima de 20 indica depressão, a mudança foi, em média, de 24 pontos para
12.
Os pacientes foram divididos em dois grupos, com
dez pessoas em cada, e em apenas um deles a estimulação foi ligada –o outro, o
grupo-controle, funcionou como uma espécie de placebo para efeito de
comparação.
O estudo era duplo-cego –ou seja, nem os pacientes
nem os médicos sabiam quem estava recebendo o tratamento real (havia apenas uma
técnica que fazia a programação dos aparelhos e, é claro, sabia qual grupo era
qual).
A pesquisa durou seis meses, também para afastar o
efeito placebo. "Todo tratamento tem seu período de lua de mel, de uns
três meses. É muito comum estudos curtos mostrarem eficácia para mais tarde
dizerem que a terapia não funciona", diz.
Com os bons resultados no grupo do tratamento, os
pacientes do grupo-controle depois tiveram seus marca-passos ligados também.
Todos continuam recebendo o tratamento e sendo acompanhados pelo hospital.
O alvo do estudo eram os pacientes com depressão
moderada refratária, ou seja, que não responde ao tratamento convencional com
drogas e psicoterapia. Esse contingente representa cerca de 20% das pessoas que
têm a doença.
Estima-se que o tratamento ao todo, se oferecido na
prática clínica, custaria cerca de R$ 50 mil.
De acordo com De Salles, a estimulação elétrica em
certas áreas do cérebro modifica os neurotransmissores e tenta corrigir o
deficit de neurotransmissores que causam a depressão.
O marca-passo faz isso ao estimular o nervo
trigêmeo, que confere sensibilidade à face e é uma via importante de acesso ao
cérebro.
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Editoria de Arte/Folhapress
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De Salles já havia demonstrado o sucesso dessa
abordagem em estudos em animais e, depois, em humanos, com a estimulação
externa do nervo trigêmeo na Ucla (Universidade da Califórnia) em Los Angeles,
quando era professor na instituição.
Ele e Gorgulho trabalharam por décadas na
universidade americana até os dois decidiram voltar ao Brasil para criar o
filho no país, em 2012. A convite do HCor, deram continuidade ao estudo com
marca-passos na instituição.
Além da pesquisa com depressão, eles também estão
testando o aparelho contra a obesidade. Um estudo canadense mostrou bons
resultados contra a anorexia.
O trabalho com depressão, que foi feito em parceria
com o Proadi-SUS (Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de
Saúde), deve ser apresentado em junho no Congresso da Sociedade Mundial de
Neurocirurgia Funcional, em Berlim.